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20 de Abril de 2024
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    As Regras de Tóquio e as Medidas Alternativas

    há 21 anos

    Monografia apresentada como pré-requisito parcial para a aprovação na disciplina Teoria Geral do Direito Penal, do Mestrado em Ciências Penais da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás - UFG . Goiânia, junho de 2002. APRESENTAÇÃO O homem é um ser em constante evolução cultural. Nos dizeres de Ortega y Gasset, o homem “não tem natureza, tem história, sendo que o passado, a experiência anterior, deságua e forma o presente, pois somos hoje a conseqüência do que já havíamos sido” . Cientes dessa realidade, percebemos o caráter universalista hoje alcançado pelos Direitos Humanos, que abarcam, nos moldes em que hodiernamente se configuram, a quase totalidade da Comunidade Planetária. Inolvidável, desta feita, a importância de se proceder a uma digressão acerca da evolução histórica dos mecanismos internacionais de regulação e controle da produção normativa de cada país signatário, dos quais as Regras de Tóquio, ou Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas Não-Privativas de Liberdade, constituem-se em um dos principais exemplos, no que tange à esfera do Direito Penal Internacional. As Regras Internacionais, hoje, encontram-se em notável avanço, não só quanto ao número de países que as abarcam, mas também quanto ao número de questões suscitadas e norteadas pelos mecanismos específicos de controle. Há, todavia, limites que comandam sua exeqüibilidade e exigibilidade. Em nosso entender, por carecerem de força cogente, face ao princípio da auto-determinação dos povos, bem como ao princípio da não-intervenção, hoje não há meios legais de se forçar um Estado Soberano a implantar, contra a sua vontade, os mecanismos internacionais de regulamentação e norteamento da produção normativa, em âmbito interno. Visamos, no transcorrer desta monografia, a oferecer à comunidade universitária escorreita análise da correlação entre as Regras de Tóquio e as Medidas Alternativas. Optamos por debruçarmo-nos sobre os fundamentos teóricos que justificam o poder-dever estatal de punir. Realizamos acurada análise da política criminal que serve - ou deveria servir - de alicerce para a criação normativa penal brasileira. Realizamos análise histórico-evolutiva, até depararmo-nos com o atual estágio evolutivo do direito penal pátrio. Neste ponto, precisamente, analisamos as incongruências e vicissitudes que deturpam a sistematização da ordem normativa interna do direito penal brasileiro. Pela amplitude do tema enfrentado, não ousamos dizer que exaurimos as possibilidades acadêmicas de análise e reflexão, porém, prometemos continuar nossos estudos no sentido de oferecer à comunidade acadêmica, em breve, obra mais completa e dotada de melhor didática. Feitas estas observações iniciais, passamos agora à análise das Regras de Tóquio e das Medidas Alternativas a elas pertinentes. INTRODUÇÃO O Brasil é um país notadamente sui generes no que cinge à esfera da produção normativa e da sua Política Criminal oficial. Várias foram as vezes em que nós, profissionais do direito, nos deparamos com leis criadas obedecendo ao rigor do modelo penal clássico da política criminal paleorrepressiva, em claro contraste com a tendência mundial de criação e ampliação de leis penais mais humanitárias, como as Medidas Alternativas. A pressão da mídia televisiva, que “vende” a imagem de uma política criminal repressiva como forma de alavancar audiência, encontra fácil aceitação por parte da população, apavorada pela onda de violência social reinante, o que acaba por refrear as tentativas de se estabelecer um modelo mais condizente com a realidade brasileira, que valorize o conceito de cidadania, à luz de uma pedagogia da pena mais condizente com o estágio atual de evolução da proteção dos Direitos Humanos. Cidadania, como nós a entendemos, não se confunde com o conceito difundido pelo welfare state, que sempre prefere, como ensina DEMO, o beneficiário ao cidadão: O fomento a cestas básicas, rendas mínimas, distribuição de alimentos, etc., está mais em voga entre nós do que o fomento à cidadania. A cidadania assistida predomina de longe sobre a emancipada. Este errôneo conceito de cidadania acabou por contaminar também a política criminal brasileira, fazendo com que adotássemos um ideal assistencialista de tal fôlego que passamos a acreditar que apenas o Estado seria responsável pelo tratamento dispensado aos delinqüentes. Desta feita, isentamo-nos de um dever que, frise-se, no atual estágio de evolução dos direitos humanos, não mais podemos transferir ao Estado. Cabe igualmente a nós, como sociedade civil organizada, auxiliarmos o ente estatal na melhoria das condições do sistema punitivo pátrio. Não podemos abrir mão de prestar auxílio direto na recuperação do apenado. Devemos servir de instrumento de apoio no difícil processo de reeducação do criminoso. Desta forma, cumpriremos com o papel ao qual estamos destinados, como parte integrante de uma cidadania emancipada: seremos verdadeiros cidadãos. Um claro exemplo desta posição encontramos ao examinar os pontos levantados pelo atual ministro da justiça, Dr. Miguel Reale Júnior, em exposição feita em 22 de maio de 2002 à Comissão de Segurança Pública da Câmara, como parte de seus planos para o combate à violência, e veiculadas por KRAMER no jornal O Popular : A melhor política criminal é a social. Esta é a filosofia da série de medidas que Reale considera necessárias para que a política de segurança incorpore o conceito de que uma sociedade é tão menos violenta, quanto mais cidadã ela se torna. E, para isso, a primeira providência, na concepção do ministro, é aumentar a presença do Estado junto à coletividade. A repressão sozinha não resolve. Ou eu insiro o Estado na vida das pessoas e restabeleço a cidadania, ou não venceremos essa luta. Miguel Reale ressalva que não pretende abrir mão de políticas repressivas nem propor a paralisação de qualquer projeto já em andamento. Mas vai apostar fortemente na prevenção ao crime incluindo o que chama de viés social nas ações governamentais antiviolência. Reale pretende criar Centros Integrados de Cidadania (CICs), que já existem em São Paulo, em todas as capitais. São locais onde se reúnem um juiz de direito, um promotor, um defensor público, as Polícias Civil e Militar, assistente social e psicólogo para atender a população de periferia. Isso é a presença do Estado, que dá segurança, reduz a desorganização social, promove a cidadania e, em conseqüência, diminui a criminalidade. Propõe também Reale a criação de delegacias da mulher onde elas não existam, com assistência psicológica às mulheres e crianças, principais alvos da violência familiar. Outro programa assistencial seria dirigido aos ex-presidiários. Na opinião do ministro custa muito mais barato ajudar na reinserção social do egresso do que sustentá-lo no presídio como reincidente. No que tange especificamente às penas alternativas, afirma KRAMER : A aplicação das penas alternativas é outro ponto que Reale pretende abordar, com a proposta de criação de varas que cuidariam exclusivamente desses casos. De acordo com o ministro, hoje o que se tem é a impunidade da pessoa que recebe esse tipo de pena. No lugar de prestar um serviço à comunidade, fazer um curso, ter seus fins de semana limitados, o infrator recebe a pena em prisão albergue e, por falta delas, a pena vira prisão domiciliar e, em seguida, torna-se coisa alguma . Insta observar que o cerne do problema, no que tange à participação do cidadão, não foi ainda enfrentado. É necessário que o governo complemente as ações meramente assistencialistas, que, segundo entendemos, são apenas emergenciais e conjunturais, e abarque uma idéia de emancipação do cidadão. Neste sentido, a força motriz, o leit motive, deve centrar-se sobre o conceito de cidadania plena, cidadania emancipada. Urge a importância de educar-se o cidadão para que participe de ONGs, OI s, entidades de classe e assistência social que sejam independentes - administrativa e materialmente - do ente estatal, de molde a tornar plena e operacional a massa de ajuda humanitária que a sociedade organizada potencialmente representa em si mesma. Os meios de comunicação também podem influir negativamente sobre a esfera normativa e a política criminal, quando a “massmedia” transparece e abre enormes espaços para a propagação do ideário de certos movimentos radicais, como o de Lei e Ordem, contribuindo para fazer com que o Brasil sofra atrasos em suas reformas penais, causando graves malefícios para todo o Sistema Penal pátrio, e, especificamente, para a seara da política criminal oficial. Toda forma de radicalismo deve ser evitada, segundo pensamos, como forma de se proteger - se não os Direitos Humanos dos presos -, a própria Segurança Jurídica, bem tão caro a estes movimentos, que constitui a base de seu ideário político-repressor. Há juristas que, permeados pela influência dogmático-positivista, defendem que os conhecimentos jurídico-teóricos da construção de sistemas jurídicos são eternamente estranhos a qualquer orientação político-criminal. Pregam, desta forma, a completa separação entre a política criminal de um determinado país e a sistemática da produção normativa que vêm a compor seu corpo dogmático. Neste sentido, LISZT, v.g., considerava: ... a verdadeira tarefa do direito penal: ver o crime e a pena como generalizações conceituais numa abordagem puramente técnico-jurídica; desenvolver os preceitos legais, ascendendo até os últimos conceitos e princípios básicos, num sistema fechado. Não negamos a importância da sistemática jurídico-penal, porém não podemos coadunar com a opinião de LISZT, que considera equivocado recorrer à política criminal como forma de se encontrar caminhos alternativos para justificar mudanças na produção normativa de um país, nem ao menos consideramos mero diletantismo conceder-se ao juiz uma margem maior de discricionariedade na aplicação das leis penais. Vale transcrever trecho da doutrina de ROXIN: Uma outra crítica direciona-se contra a espécie de dogmática resultante da dicotomia lisztiana entre direito penal e política criminal: se os questionamentos político-criminais não podem e não devem adentrar no sistema, deduções que dele corretamente se façam certamente garantirão soluções claras e uniformes, mas não necessariamente ajustadas ao caso. De que serve, porém, a solução de um problema jurídico, que apesar de sua linda clareza e uniformidade é político-criminalmente errada? Não será preferível uma decisão adequada ao caso concreto, ainda que não integrável no sistema? JESCHECK, por sua vez, ensina: Não se podem desconhecer os perigos de uma dogmática reduzida a fórmulas abstratas: eles estão no fato de que o juiz passe a confiar no automatismo dos conceitos teóricos, não atentando, portanto, às peculiaridades do caso concreto. O essencial é sempre a solução do problema; exigências sistemáticas, por serem menos importantes, devem recuar para um segundo plano. Consideramos, entretanto, tanto a opinião de LISZT quanto a de JESCHECK, cientificamente incompletas. Acreditamos ser a segurança jurídica uma meta do direito, enquanto sistema. Por outro lado, pensamos no sistema jurídico como um ente semi-aberto, em constante evolução conceitual. Desta feita, deve o sistema jurídico utilizar-se da política criminal como norteadora de sua sistematização, e, da mesma forma, deve a política criminal de um país adaptar-se à realidade sócio-política como instituto incompleto, passível de complementação e de ajuste. Indispensável se faz, de molde a tornar efetiva a segurança jurídica, mesmo modificando-se a política criminal reinante, converter-se em legislação penal o novo ideário que veio a substituir ou complementar a sistemática penal em digressão. Para explicitar o raciocínio proposto, recorremos ao posicionamento de ROXIN: Enquanto os fundamentos da valoração provierem do sentimento jurídico ou de orientações isoladas, sem encontrar apoio na lei, permanecerão eles turvos, casuais e sem poder de convencimento científico. Participando ativamente deste grave conflito teórico, uma parte de nossos mais importantes pensadores do direito fez pressão no sentido de auferir mudança na legislação penal pátria, e, em 1995, surge uma Lei que, segundo acreditamos, inaugura oficialmente no Brasil um novo modelo de Política Criminal: a Lei dos Juizados Especiais Criminais. Assim, nos dizeres de Luiz Flávio Gomes: Ao modelo penal clássico, que continua servindo de base inspiradora da política criminal brasileira paleorrepressiva, expressada em tantas leis penais puramente simbólicas nessa década - leis dos crimes hediondos, do crime organizado, da falsificação de remédios, etc. - contrapõe-se, alternativamente, um novo modelo de Justiça Penal. Este novo modelo de Política Criminal é o que defendemos para nosso país. Não há mais como se acreditar que os modelos tradicionais realmente funcionem. Em séculos de Política Criminal repressora, não se conseguiu efetivamente reduzir a quantidade de delitos cometidos. O atraso do Sistema Penal Brasileiro é notório, tornando-se necessário estabelecer metas de melhoria, em caráter de urgência, antes que não existam mais quaisquer meios para, a médio prazo, se reduzir a reincidência, e a longo prazo, se reduzir a criminalidade. No que diz respeito especificamente às medidas emergenciais, acreditamos que nosso país esteja caminhando em sentido correto, adotando Medidas Alternativas à Prisão, norteadas pelo moderno ideário inserto nas Regras Mínimas da ONU para a Elaboração de Medidas Não-privativas de Liberdade, as Regras de Tóquio. REGRAS DE TÓQUIO As Regras de Tóquio, ou Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas Não-privativas de Liberdade, surgiram como resposta à visão arcaica que antes vigia, oriunda da Escola Clássica, que tratava o delito como uma ofensa ao Estado, punida de forma severa, funcionando a severidade da pena como fator inibidor da ocorrência de novos crimes e elemento retributivo dirigido à pessoa do delinqüente. Via-se, então, a pena de prisão como a forma mais eficaz para a expiação da infração cometida, sem qualquer caráter de ressocialização do apenado. Ensina GARCIA: Castigar ou punir, expiar, eliminar, intimidar, educar, corrigir ou regenerar, readaptar, proteger ou defender - eis variados verbos que, na diversidade das opiniões, indicam as finalidades possíveis do Direito Penal e, através destas, as raízes da sua existência. Para precisar essas finalidades, elaboraram-se doutrinas, reunindo maior ou menor número de adeptos. E algumas tiveram irradiação tão ampla, que passaram a constituir escolas, as quais intentaram delimitar-se pela fixação de toda uma série de idéias centrais sobre as mais graves questões da nossa matéria. Concordando com a doutrina de GARCIA, consideramos importante realizar a conceituação histórico-evolutiva do Direito Penal, especificamente no que tange às Escolas Penais que trataram diretamente sobre as funções da pena. A. Escola Clássica: A Escola Clássica teve vários expoentes, dentre eles Francesco Carrara (Programa do Curso de Direito Criminal, 1859); Enrico Pessina (Elementos de Direito Penal, 1882); Giuseppe Carmignani (Elementos de Direito Criminal, 1823). Poderíamos citar ainda Binding, Hegel, etc. Os adeptos desta escola conferiam caráter eminentemente expiatório à figura da pena, como sua principal característica. Neste sentido, ensina Aníbal Bruno: É a pena o mal justo com que a ordem jurídica responde à injustiça do mal praticado pelo criminoso, (...) seja como retribuição de caráter divino ou de caráter moral, ou de caráter jurídico, função retributiva que não pode ser anulada ou diminuída por nenhum outro fim atribuído à pena. B. Escola Positiva: Sobre a Escola Positiva, ensina SILVA: Os seguidores da Escola Positiva advogavam as teorias relativas, ou da prevenção, pois atribuíam à pena um fim prático e imediato de prevenção geral ou especial do crime. Viam a pena como instrumento de defesa social pelo reajustamento ou inocuização do delinqüente. No ano de 1876, o médico italiano Cesare Lombroso pública em Turim a obra-prima da Escola Positiva: O Homem Delinquente, inaugurando oficialmente a ciência da Antropologia Criminal. A Escola Positiva foi fortemente influenciada pelos postulados científicos surgidos no transcorrer do século XIX por meio dos estudos de Darwin (Origem das Espécies, 1859); Lamarck (Pesquisa sobre a Organização das Espécies); Haeckel (A criação dos seres organizados segundo as leis naturais, 1869); e, principalmente, pela obra do pensador francês Augusto Comte, fundador da Escola Filosófica Positiva (Curso de Filosofia Positiva, 1830), Sobre a doutrina de Lombroso, ensina BRUNO: A idéia inicial de Lombroso é a do criminoso nato. Para ele, o criminoso verdadeiro é uma variedade particular da espécie humana, um tipo definido pela presença constante de anomalias anatômicas e fisio-patológicas. Entre os principais expoentes desta Escola, podemos destacar Enrico Ferri (A negação do livre arbítrio e a teoria da imputabilidade, 1878); Enrico Altavilla (psicologia judiciária, 1927); Filippo Grispigni (Curso de Direito Penal, 1935). Os militantes da Escola Positiva advogavam a tese de que o criminoso deveria ser considerado um produto do meio social, e como tal ser tratado. Afirmavam que o delinqüente era envolvido pelo convívio social, que condicionava e delimitava seu próprio caráter. Trata-se, portanto, a vontade humana, de uma vontade viciada, visto que direcionada pelas condições do meio social em que vive. Necessário enfatizar a diferença de enfoque conceitual das duas escolas retro-analisadas: Enquanto a Escola Clássica se preocupava apenas com o crime e a pena, a Escola Positiva se preocupava com o criminoso e as circunstâncias que o levaram à prática do ato delituoso. Com a natural evolução das sociedades humanas, o aparato punitivo também acabou por alcançar novas idéias acerca dos conceitos de crime, delinqüente, culpabilidade, antijuridicidade e punibilidade, considerados elementos reguladores da resposta estatal ao delito. Passou-se a adotar a defesa social como novo elemento componente da pena. Não mais se via a prisão como simples castigo, retribuição pura e simples provinda do Estado frente ao delinqüente. Via-se na prisão, além do inseparável caráter de expiação, uma forma de proteção à sociedade. O enfoque sobre a figura da pena, portanto, sofreu enorme mudança, saindo da esfera meramente retributiva, mera vingança estatal, expiação pura e simples do mal cometido, para uma tentativa de prevenção, adequando-se a pena ao tipo de delinqüente objetivamente observado (ocasional, habitual, passional, nato, etc.). Do embate ideológico entre as duas Escolas, apareceram algumas teorias mistas, também chamadas de Escolas Ecléticas, que salvaguardam o caráter retributivo-expiacionista da pena, mas a ela juntam a função de reeducação e inocuização do criminoso. Dentre as principais correntes ecléticas, podemos destacar: Terceira Escola, ou Positivismo Crítico (Itália); Escola Sociológica Francesa; Escola Moderna Alemã; Escola do Tecnicismo Jurídico (Itália); Escola Correcionalista, dentre outras. Por razões didáticas , seguimos o esquema de Edmundo Oliveira, e resumimos assim os principais postulados de cada corrente da Escola Eclética, obedecendo ao critério cronológico-evolutivo dos institutos nelas abordados: C. Terceira Escola: 1. Substituição do livre-arbítrio pelo critério da voluntariedade das ações; 2. Considera o delito um fenômeno individual e social, como os positivistas; 3. confere importância ao princípio da responsabilidade moral, advindo da Escola Clássica; 4. A pena, dotada de caráter ético e aflitivo (pensamento clássico), tem por fim a defesa social (pensamento positivista). D. Escola Sociológica Francesa: 1. Conferia importância ao exame psicológico do delinqüente no momento da execução do crime; 2. valoração da vontade delitiva, desvalor do resultado material; 3. Teve como principais expoentes Alessandre Lacassagne, Gabriel Tarde e Louis Manouvrier. A Escola Sociológica Francesa em verdade não teve muita repercussão fora dos limites do território francês, suplantada que foi, rapidamente, pelo ideário praxista da Escola Moderna Alemã. E. Escola Moderna Alemã: 1. O crime é um fato jurídico resultante de fatores humanos e sociais; 2. O delito não é de origem nata, nem de origem do livre-arbítrio, mas advém de causas diversas, umas de caráter individual, outras de caráter externo, como as causas físicas, sociais e econômicas; 3. A imputabilidade deriva da capacidade de autodeterminação normal da pessoa; 4. A pena se funda na culpa e se justifica pelo fim de manutenção da ordem jurídica (sentido de pena finalística); 5. A medida de segurança tem por base a periculosidade do agente (no sentido de prevenção geral). A Escola Moderna Alemã teve por principal expoente a figura de Von Liszt, que, em 1882, publicou em Berlim o clássico Programa de Marburgo, sobre o pensamento finalista no Direito Penal. Combateu a tese do “criminoso nato” de Lombroso, afirmando que as raízes do agir humano devem ser buscadas dentro da própria sociedade, que modula, modifica e rotula os comportamentos, seguindo variáveis como educação, cultura, condições de vida e nível de discernimento. Outros nomes de destaque foram Grafzudohna, W. Goldschmidt, Edmundo Mezger, Von Hippel, dentre outros. F. Escola do Tecnicismo Jurídico Italiano: 1. Cisão total entre Direito Penal e qualquer investigação filosófico-axiológica acerca dos elementos do Sistema Penal; 2. Recusa à concepção de livre-arbítrio (determinismo); 3. Responsabilidade moral do delinqüente; 4. O crime é um fato de relação jurídica (subsunção típica); 5. Adota o princípio retributivo-expiatório de sanção penal; 6. Faz distinção entre imputáveis e inimputáveis, estabelecendo pena para imputáveis e medida de segurança para inimputáveis. Entre seus principais doutrinadores, podemos citar: Arturo Rocco, Vicenzo Manzini, Eduardo Massari, Biaggio Delitala, Giuseppe Maggiore, Giuseppe Bettiol, Biaggio Petrocelli e Giulio Battaglini. G. Escola Correcionalista: Fundada por Carlos Davi Augusto Roeder, professor de Heidelberg. Teve como principais divulgadores Doraldo Montero e Concepcíon Arenal. Sobre a Escola Correcionalista, ensina NORONHA: Concebe Roeder o direito como conjunto de condições dependentes da vontade livre, para cumprimento do destino do homem. É, pois, norma de conduta indispensável à vida humana, tanto externa quanto interna, e daí incumbe ao Estado não só a adaptação do criminoso à vida social como também sua emenda íntima. Com Roeder, o direito penal começa a olhar o homem e não apenas o ato. Não o homem abstrato, como sujeito ativo do crime, mas o homem real, vivo e efetivo, em sua total e exclusiva individualidade. No tocante à pena... se o fim é corrigir a vontade má do delinqüente, deve ela durar o tempo necessário - nem mais, nem menos - para se alcançar esse objetivo. Será, conseqüentemente, indeterminada. Admitia Roeder que a execução da pena findasse, demonstrada que estivesse sua desnecessidade. A pena era vista, desta forma, como uma espécie de medida profilática, que, ao mesmo tempo em que protegia a sociedade, oferecia tratamento e recuperação ao delinqüente. Famosa é a frase de Concepcíon Arenal, acerca da possibilidade de ressocialização dos criminosos: “Não há criminosos incorrigíveis, e, sim, incorrigidos.” O maior problema da concepção teórica desta Escola é exatamente acreditar que a pena de prisão possuía condições para a efetiva ressocialização do criminoso. Não discutimos o caráter retributivo da pena, nem a necessidade de ofertar maior segurança à sociedade face à figura do criminoso, nem mesmo a indispensável diretriz ressociabilizadora que ora norteia a punição aos delinqüentes. O que se discute, porém, é o completo estado de abandono (material, psicológico, educacional, médico, etc) em que são deixados os presos, na práxis dos presídios. Peguemos, a título de exemplo, a problemática do trabalho como elemento auxiliar do processo de reeducação do delinqüente. AIETA ensina: No ano de 1998, a Comissão de Direitos Humanos da ONU recebeu um relatório enviado pela Human Rights Watch, apontando o Brasil entre os países que apresentam as piores condições carcerárias do mundo. Tais evidências instigam a sociedade brasileira a vislumbrar medidas urgentes que venham a otimizar tal conjuntura. A aplicação de penas alternativas para delitos mais leves já se consagrou como um bom passo em prol da reeducação das pessoas e da melhora do sistema como um todo. Da mesma forma, faz-se imprescindível a criação de mecanismos asseguradores de trabalho aos presos, ajudando-os financeiramente à preparação para uma vida diferente, quando estiverem libertos. BARBOSA, por sua monta, sentencia: Por fim, acreditamos que nenhuma forma de execução penal terá real proveito se não se levar em conta a capacidade laborativa do presidiário, e faze-la exteriorizar dentro das limitações de cada presidiário. Trabalho como laborterapia. Trabalho, como forma de angariar pecúlio. Trabalho, para efetuar o pagamento da pena pecuniária. Trabalho, para promover a indenização à vítima (ou seus sucessores) decorrente do crime. Trabalho, como instrumento de aprimoramento pessoal, e de ampliação dos próprios horizontes profissionais. Trabalho, para que não sobre tempo para tantas maquinações temerárias e tenebrosas, em que tanto se comprazem presos e presidiários. O paradoxo se apresenta cristalino: enquanto a doutrina, a teoria, e mesmo a posição oficial da política criminal brasileira, são unânimes em reverenciar o trabalho como meio necessário para a eficácia da ressocialização do criminoso, o Estado esquece de ofertar aos administradores do sistema carcerário os mecanismos indispensáveis para a consecução real dos fins almejados. Indiscutível é a lição de BOBBIO , para quem exigir os fins e não oferecer meios eficazes para se alcançar estes fins constitui odiosa ANTINOMIA TELEOLÓGICA. Se a política criminal prevê a ressocialização do delinqüente, a política administrativa pública deve necessariamente oferecer ao sistema carcerário os meios para se atingir o resgate social do delinqüente. Devido à antinomia teleológica acima explicada, com o conseqüente abandono do sistema carcerário - pouco estruturado, mal gerido e sem a indispensável dotação orçamentária, agravado pelo seu alto custo de manutenção, descomunal índice de reincidência, ambiente promíscuo e desumano, superlotação carcerária e, principalmente, ausência de formas de reeducação, por meio do trabalho e do estudo, dentre outros vários problemas intrínsecos ao sistema punitivo clássico - comprovou-se a total ineficácia da pena privativa de liberdade como elemento ressocializador. Ensina FOUCAULT que o cárcere, em verdade, não diminui a taxa de criminalidade, provoca a reincidência, favorece a criação de um meio de delinqüentes, com organização hierarquizada e voltada para o cometimento de futuros delitos, bem como fabrica indiretamente delinqüentes, ao fazer cair na miséria a família dos detentos. Devemos, portanto, recorrer à pena privativa de liberdade tão somente como extrema ratio, quando a defesa da sociedade e a impossibilidade de recuperação do criminoso por meios alternativos à prisão exigem a exclusão do criminoso do convívio social como medida racional e necessária. A pena é uma violência estatal, agressão esta que deve ser sopesada em relação à real necessidade de aplicação, ao princípio da proporcionalidade, ao balanço entre o bem jurídico aviltado pelo criminoso e a resposta estatal sobre o próprio criminoso, considerado como um bem jurídico em si mesmo, pessoa humana que é. Procura-se, com a criação de penas e medidas alternativas baseadas nas Regras de Tóquio, reduzir a incidência da pena de prisão, reservando-a para os casos em que esta se configura como absolutamente indispensável, e contribuir para a ressociabilização do apenado, evitando-se, desta feita, reincidência delitiva. Ensina BITENCOURT: (...) as primeiras manifestações contrárias às penas privativas de liberdade, de curta duração, surgiram com o Programa de Marburgo de Von Liszt, em 1882, e a sua “idéia de fim no Direito Penal”, quando sustentou que “a pena justa é a pena necessária”. Surgiu, então, a necessidade de uma nova concepção acerca do sistema penal, que viesse a tornar mais eficaz a entrega da prestação punitiva por parte do Estado. Diversas entidades internacionais vêm buscando promover debates em busca do aprimoramento das idéias do movimento de humanização do sistema penal, iniciado na Idade Moderna com o Iluminismo de Bentham e Beccaria, no sentido de tornar mais profícua e humana a aplicação das penas, corroborando a máxima que apregoa a “menor intervenção com o máximo de resultado”. Nos dizeres de Beccaria , o criminoso - segundo pensamos, mesmo aquele imaginado posteriormente por Lombroso - é, antes de tudo, um homem. Por mais decaído, perturbado, primitivo que seja, ainda assim é um homem, e como tal deve ser tratado. Na época da Revolução Francesa, em 02 de outubro de 1789, nascia a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento visionário e vanguardista, eivado de ideais humanitários e fulcrado nos pilares da liberdade, igualdade e fraternidade entre os homens. Mais de um século e meio se passou até que o imaginário utópico dos revolucionários franceses se tornasse ação política a nível mundial. A Organização das Nações Unidas, em respaldo ao mesmo propósito de defesa do ideário iluminista, promulgou, em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, verdadeira “Constituição Ética Mundial”, nos dizeres de Luiz Flávio Gomes , influenciada pelo sentimento de defesa dos direitos humanos que ganhou forças ao final da II Grande Guerra Mundial, ante aos crimes contra a dignidade humana, representados pelo holocausto e pelos genocídios cometidos. Em 1955, a mesma entidade promulgava as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, documento de suma importância para o estabelecimento de limites à aplicação de penas privativas de liberdade. O ilustre penalista goiano, Dr. Licínio Barbosa, em sua obra Direito Penal e Direito de Execução Penal (ed. Zamenhof, 1993, p. 297), enumera as normas editadas pelas supra-referidas Regras, quais sejam: classificação do criminoso em categorias, higiene íntima, roupas de cama, alimentação condigna, exercícios físicos, assistência médica, biblioteca, dentre outras normas pertinentes. Em 1966 veio a lume o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e logo após, em 22 de novembro de 1969, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mundialmente conhecida como Pacto de San José. O contexto social já era outro: os países do primeiro mundo dominavam as tecnologias de ponta, implantavam a automação na base da terceira revolução industrial representada pela informática. Aumentava o abismo entre países ricos e pobres, entre povos do hemisfério Norte e do hemisfério Sul. A dignidade humana era ofendida, por um processo gradual de exclusão social, que priorizava a filosofia do Ter sobre a filosofia do Ser. No preâmbulo desta convenção, já se podia depreender a preocupação com a universalização dos Direitos Humanos, bem como com o respeito ao princípio da não-intervenção e da auto-determinação dos povos: Reconhecendo que os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados Americanos; No âmbito interno, nossa capital estadual foi palco de um importante congresso, a pretexto de comemorar-se, em 1973, o cinqüentenário da morte de um dos grandes juristas brasileiros, Rui Barbosa. Neste congresso, diversos notáveis penalistas brasileiros, dentre eles Rogério Laura Tucci, Ricardo Andreucci, Miguel Reale Júnior, René Ariel Dotti, e os pilares goianos do conhecimento jurídico penal, Dr. Odin Indiano do Brasil Americano e Dr. Licínio Leal Barbosa, houveram por bem publicar a Moção de Goiânia nº 1, que preconizava, dentre outras coisas, a limitação do uso da privação da liberdade aos casos de penas mais graves e aos condenados realmente perigosos. Visando a implementação de soluções alternativas à prisão, coube ao Instituto da Ásia e do Extremo Oriente para a Prevenção dos Delitos e Tratamento do Delinqüente formular os primeiros estudos relacionados com o tema. Preparado o projeto das Regras Mínimas, foi então levado à apreciação da ONU, durante o 8º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, sendo prontamente recomendada a sua adoção; em 14/12/90, pela Resolução 45/110 da Assembléia Geral, adotou-se as Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas Não-privativas de Liberdade, e decidiu-se por denomina-las Regras de Tóquio. ESTRUTURA DAS REGRAS DE TÓQUIO As Regras de Tóquio estão organizadas na forma de Seções. São, ao todo, 23 artigos, distribuídos em 08 diferentes Seções. Na Seção I são desenvolvidas idéias gerais que formam a base das Regras de Tóquio. Apresentam-se os princípios gerais, nos quais advoga-se a favor da promoção das medidas não-privativas de liberdade e por uma participação maior da comunidade, além de destacar a importância cabal da racionalização das políticas de Justiça Penal. A Seção II refere-se às medidas não-privativas de liberdade que podem ser aplicadas em substituição a um procedimento ou na fase anterior ao julgamento, de forma a evitar-se a prisão preventiva. Apóia-se nos princípios da presunção de inocência e da intervenção mínima, considerando a prisão como a ultima ratio, medida extrema, só aceitável quando absolutamente necessária, face à periculosidade do agente. Por sua monta, a Seção III refere-se aos relatórios sobre a investigação social e disposições proferidas por sentenças. Fornece uma lista não exaustiva de medidas não-privativas de liberdade. Dentre as medidas apresentadas, destacamos a liberdade condicional, as penalidades pecuniárias, o confisco, a restituição à vítima, a “probation”, a prestação de serviços à comunidade, dentre outras. A Seção IV refere-se às medidas para reduzir a duração das penas de prisão ou que oferecem alternativas para a execução de sentenças que impõem pena privativa de liberdade. Trata-se, portanto, das medidas aplicáveis na fase posterior à sentença. Dentre elas, destacamos: libertação para fins de trabalho e educação, remição da pena, indulto, dentre outras. A execução das medidas não-privativas de liberdade é o objeto retratado na Seção V. Afirma que as autoridades encarregadas da execução devem orientar-se pelo princípio de que elas irão ajudar o delinqüente a não voltar a cometer delitos. A finalidade da vigilância é construtiva, e não punitiva, e seu objetivo precípuo é reduzir ao mínimo a reincidência, ajudando o delinqüente em sua reintegração social. A Seção VI refere-se aos funcionários, que devem receber treinamento adequado para a função que irão desempenhar. A qualidade do material humano utilizado no trato com os delinqüentes é fator primordial no reconhecimento e tratamento dos mesmos. A Seção VII refere-se aos voluntários e à sociedade em geral. Como as penas não-privativas de liberdade proporcionam ao criminoso uma interação maior com a sociedade, o auxílio do voluntariado, patronato, pastorais da igreja e sociedade em geral, torna-se elemento primordial na busca da ressociabilização do delinqüente. A Seção VIII, por sua vez, diz respeito à pesquisa, planejamento, formulação e avaliação de políticas criminais. É importante o intercâmbio de conhecimentos entre os estudiosos do direito penal dos diversos países e diferentes sistemas punitivos existentes, de modo a definir-se as medidas mais acertadas para o tratamento do criminoso. Quando o país não investe em pesquisa, seus institutos jurídicos acabam por perder solidez, pois que alheios à nova realidade e à novel demanda de leis mais adaptadas aos conhecimentos e crenças de uma sociedade em constante e ininterrupta evolução. VALOR JURÍDICO Insta observar que as Regras de Tóquio, por tratar-se de um documento de caráter internacional, revestem-se de certa maleabilidade e adaptabilidade, respeitando as peculiaridades de cada país signatário, bem como o princípio da auto-determinação dos povos, inserto nos arts. 1º e 55 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e no art. , III, de nossa Carta Magna. No que tange ao valor jurídico das referidas Regras, entende o ilustre professor Damásio Evangelista de Jesus que, naquilo que não contrariar a Constituição Federal e as leis penais internas, possuem caráter de norma cogente. Parecer contrário oferece Luiz Flávio Gomes , quando ensina que as Regras de Tóquio, sendo apenas um Acordo Internacional, e não um Tratado, oferecem apenas parâmetros mínimos a serem seguidos, não possuindo, destarte, força cogente. Sobre o caráter de cogência da norma de direito internacional, em âmbito interno, assim leciona REZEK: O Estado soberano, no plano internacional, não é originalmente jurisdicionável perante corte alguma. Sua aquiescência, e só ela, convalida a autoridade de um foro judiciário ou arbitral, de modo que a sentença resulte obrigatória e que seu eventual descumprimento configure um ato ilícito. Em nosso entender, razão assiste à doutrina de Paul Reuter, quando preleciona: A igualdade soberana entre todos os Estados é um postulado jurídico que ombreia com sua desigualdade de fato: dificilmente se poderiam aplicar, hoje, sanções a qualquer daqueles Estados que detêm o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU. Sobre a falsa igualdade de poder entre as nações centrais e as nações em desenvolvimento, no âmbito político-econômico internacional, descreve CHOMSKY, ironicamente, da perspectiva de um assessor de Clinton para a América Latina: Os Estados Unidos querem que outras nações ajam de maneira independente, exceto quando isso afetar adversamente os interesses norte-americanos ; os Estados Unidos nunca quiseram controlá-las , desde que elas não fiquem fora do controle . Ninguém pode, portanto, acusar a liderança dos Estados Unidos de estar preocupada com outra coisa salvo o bem do mundo , incluindo a plena liberdade para agir como nós determinamos. Importante frisar o posicionamento constante em nosso Código Penal: Art. 5º. Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. Norma cogente ou não, devem os países signatários envidar esforços para introduzi-las no ordenamento jurídico interno. O Brasil, de certa forma, realizou este intuito, com a edição das Leis 9.099/95 e 9.714/98. A Lei 9.099/95 instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, contendo em seu bojo 06 medidas alternativas. A Lei 9.714/98, por sua vez, veio a ampliar para dez o número de penas alternativas à prisão. OBJETIVOS Quanto aos objetivos das Regras de Tóquio, conforme aufere-se das regras 1.1 a 1.5, podemos resumi-los em 05: 1. promover o emprego de medidas não-privativas de liberdade, entendidas estas medidas em sentido lato, abrangente; 2. obedecer as garantias mínimas ofertadas à pessoa delinqüente; 3. promover uma maior participação da comunidade na administração da Justiça Penal; 4. promover uma maior participação da comunidade no tratamento do delinqüente; 5. estimular entre os delinqüentes o senso de responsabilidade em relação à sociedade. DA IDEOLOGIA Importante frisar que o ideário inserto nas Regras de Tóquio vai ao encontro do postulado da Nova Defesa Social (Felippo Gramatica, Mark Ensel, entre outros) que, além de visar a garantia de regras mínimas para a aplicação de medidas não-privativas de liberdade, preocupa-se sobremaneira com a ressociabilização do criminoso e com a proteção da sociedade durante o penoso processo ressociabilizante. FEIÇÃO QUADRANGULAR DA PENA A figura da vítima, antes posta de lado, à parte do conflito entre Estado/delinqüente, agora aparece em posição privilegiada, visto que se adotam diversos mecanismos visando a possibilitar a efetiva reparação do dano por parte do infrator. A pena, então, que antes se resumia em uma tríade, tendo como vértices a punição, a ressociabilização e a intimidação, passa a possuir feição quadrangular, tendo como preocupação nova e impostergável a reparação do dano causado à vítima. Várias são as Regras nas quais torna-se aparente o desejo de encontrar-se um perfeito equilíbrio entre os desejos do delinqüente, da sociedade e da própria vítima do delito. Conforme lição de GOMES: Paradigmática, a respeito, é a Regra 1.4 que diz: “Ao aplicar as Regras, os Estados-membros devem envidar esforços para atingir equilíbrio adequado entre os direitos dos delinqüentes, os direitos das vítimas e o interesse da sociedade na segurança pública e na prevenção do delito.” Inquestionável, portanto, que apesar das Regras de Tóquio ainda conferirem importância para a ideologia do tratamento como forma de reabilitação do delinqüente, também deram destaque a outros aspectos da realidade sócio-criminal, tais como a proteção, prevenção e segurança sociais, a reparação do dano e o pedido de desculpas à vítima. INTERVENÇÃO MÍNIMA A moderna criminologia corrobora o princípio da intervenção mínima, presente nas Regras de Tóquio. Damásio Evangelista de Jesus define este princípio como norteador da tendência moderna, que visa à descriminalização, descarcerização e despenalização. Por descriminalizar entende-se a extinção ou diminuição de tipos penais; descarcerizar é impor óbices para a aplicação de prisões cautelares; despenalizar, por seu turno, significa diminuir as penas impostas in abstracto aos delitos, bem como dificultar ao máximo a aplicação de penas restritivas de liberdade, reservando-as aos casos graves, após atenta análise do grau de periculosidade do delinqüente. Luiz Flávio Gomes, em seu livro Penas e Medidas Alternativas à Prisão, (São Paulo: RT, 2000), afirma que o Direito Penal brasileiro começa a adotar as tendências mundiais contemporâneas, com medidas despenalizadoras e descarcerizadoras, como as das Leis 9.099/95 e 9.714/98. DELINQÜENTE: UMA QUESTÃO DE SEMÂNTICA JURÍDICA Vale ressaltar o sentido do vocábulo delinqüente, adotado pelas Regras de Tóquio: não se trata de uma denominação muito feliz, por englobar todas as pessoas contra quem houver acusação, julgamento ou execução de sentença. Preferível seria a utilização dos termos jurídicos corretos, ou seja, delinqüente, réu ou suspeito. Porém, visou-se a simplificar os termos presentes nas Regras de Tóquio, como forma de facilitar a solução de possíveis problemas relativos à tradução dos termos empregados. ANÁLISE POLÍTICO-CRIMINAL DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS Já nos idos de 1980 ensinava Heleno Cláudio Fragoso: A prisão representa um trágico equívoco histórico, constituindo a expressão mais característica do vigente sistema de justiça criminal. Validamente só é possível pleitear que ela seja reservada exclusivamente para os casos em que não houver, no momento, outra solução. Foucault, em sua clássica obra Vigiar e Punir , se pergunta se a pena privativa de liberdade fracassou. Responde o notável pensador francês que ela não fracassou, uma vez que cumpriu o objetivo a que se propunha, qual seja: estigmatizar, segregar e separar os delinqüentes. Em que pese o lógico argumento de autoridade, ousamos discordar do mestre, apontando-lhe uma falha: Foucault esquivou-se de abordar a pena sob o aspecto da ressocialização do delinqüente. Em nosso entender, a pena privativa de liberdade falhou profundamente, ao ser abandonada à própria sorte por equívoco de administração político-criminal. Não falhou por sua própria culpa, visto que desempenhou - como ainda desempenha - de forma razoável a tarefa de conferir segurança à sociedade, dela retirando aqueles que a ela sejam nocivos. Falhou retumbantemente, entretanto, ao não conseguir concluir a tarefa que se lhe foi imposta, qual seja, a de ressociabilizar o condenado, trazendo-lhe de volta ao convívio social, como ser produtivo, arrependido e recuperado. Ensina com propriedade BITENCOURT : Embora a resposta estatal ao fenômeno criminal deva ocorrer nos limites e por meio do Direito Penal, que é o mais seguro, democrático e garantista instrumento de controle social formalizado, a reação ao delito não deve ser exclusivamente do Direito Penal, que somente deve ser chamado a intervir quando falharem todas as demais formas de controle social, isto é, deve ser utilizado como a ultima ratio. Para atingir esse desiderato, uma disciplina puramente normativa e sistemática, como o Direito Penal, necessita da complementação de outras disciplinas, como a Criminologia e a Política Criminal, que admitem a delinqüência como um fenômeno social e comunitário, que pode existir nas mais diferentes camadas da população, sem qualquer conotação patológica. Lamentavelmente, essa necessidade de utilização de outras disciplinas similares e complementares tem sido sempre ignorada pelo legislador brasileiro, que pretende resolver todos os problemas - econômicos, políticos, éticos, sociais e morais - através do Direito Penal, utilizando-o simbolicamente. Essa é a política criminal que se instalou no País, na década de 90, com os denominados crimes hediondos, criminalidade organizada e crimes de especial gravidade, simbolizando, mais que um Direito Penal funcional, um autêntico Direito Penal do terror. Na década de 1960, Bettiol já chamava-nos a atenção sobre a necessidade de se estabelecer limites no que cinge ao alcance da repressão estatal à ação do delinqüente: (...) se é verdade que o Direito Penal começa onde o terror acaba, é igualmente verdade que o reino do terror não é apenas aquele em que falta uma lei e impera o arbítrio, mas é também aquele onde a lei ultrapassa os limites da proporção, na intenção de deter as mãos do delinqüente. Esta corrente de pensamentos se nos afigura como a mais correta, no que tange a traçar delineamentos para a construção de uma política criminal voltada para resultados positivos. Não há como manter-se intocado o ideário paleorrepressor que norteou a criação normativa brasileira no século passado. Em especial no que cinge aos casos de pena privativa de liberdade de curta duração, pensamos, como o faz ROXIN, que não é exagero dizer que a pena privativa de liberdade de curta duração, em vez de prevenir delitos, promove-os. Insta analisarmos a posição de BITENCOURT, acerca da historicidade e da realidade social como critérios norteadores do tratamento dispensado aos crimes passíveis de privação da liberdade: Na verdade, a questão da privação de liberdade deve ser abordada em função da pena tal e como hoje se cumpre e se executa, com os estabelecimentos penitenciários que temos, com a infra-estrutura e dotação orçamentária de que dispomos, nas circunstâncias e na sociedade atuais. Definitivamente, deve-se mergulhar na realidade e abandonar, de uma vez por todas, o terreno dos dogmas, das teorias, do dever ser e da interpretação das normas. Em que pese o argumento da autoridade, ousamos discordar frontalmente da opinião acima transcrita. Ciência é questão teórica, não prática. As ciências jurídicas, e a criminalística no caso, são objetos de análise dos operadores de direito, que, pela autonomia do objeto, do método e da lógica subjacente, fazem do direito penal uma ciência, um objeto teórico. Fazer ciência e elaborar um discurso teórico sobre os objetivos da pena, para desconhecer toda a teoria em função de uma precária realidade do sistema carcerário, é se negar a fazer ciência e tratar a questão como um problema prático, de simples administração burocrática. É por isso que um jurista “que faz ciência”, Norberto Bobbio, acusa de antinomia teleológica toda ação jurídica normativa que não tem associada uma prática administrativa que ofereça os meios adequados para se chegar aos fins. Elaborar um discurso teórico, no caso, significa indicar os meios necessários para que os fins da pena sejam alcançados, para que a ressocialização do preso aconteça em condições humanas condignas. Acreditamos que é papel do estudioso do direito apresentar soluções doutrinárias e político-sociais que visem a modificar a precária realidade social hoje reinante. Devemos partir da premissa da necessidade de se modificar a realidade, em busca da modernização e humanização das condições sociais. Precisamos refutar qualquer análise apriorística que afirme cabalmente a impossibilidade de se aprimorar os institutos legais de controle social, o sistema legal, bem como a política criminal de uma sociedade, baseados num determinismo subserviente e odioso. Adaptar-se a política criminal à caótica realidade, esquecendo-se de qualquer sentimento de justa distribuição legal, configura-se em distorção da finalidade do direito penal, do controle social, do Estado Democrático, bem como da própria sociedade, em si mesma considerada. A política criminal e o sistema criminal devem ser norteados para a busca da melhoria da convivência humana, partindo-se da premissa de que a sociedade encontra-se em constante e ininterrupta evolução. Cabe, desta feita, ao Direito Penal, especialmente à política criminal brasileira, interpretar a realidade, estudando formas para contribuir com sua modificação e melhoria. O anverso do aqui exposto configurar-se-ia em solução simplista, mera aceitação do status quo, independentemente dos defeitos e vicissitudes que se nos apresenta. Portanto, pensamos que é tarefa dos juristas, doutrinadores e estudiosos do direito oferecer soluções para a modificação dos pontos negativos do atual sistema punitivo pátrio, bem como fornecer novos meios de manutenção e aprimoramento dos institutos que demonstrarem ser soluções satisfatórias. A realidade social é dado relevante, porém não é o limite ofertado ao estudioso do sistema punitivo, no elaboração de possíveis soluções alternativas. Negamos veementemente a postura expiacionista radical, que prega a extinção pura e simples da pena de prisão, como o faz Stanley Cohen, quando afirma ser tão grande a ineficácia da prisão que não vale a pena a sua reforma, pois manterá sempre seus paradoxos e suas contradições fundamentais. Discordamos, também, da visão ofertada pela criminologia crítica de Alessandro Baratta, que não admite a possibilidade de que se possa conseguir a ressocialização do delinqüente numa sociedade capitalista. Argumenta Baratta que a prisão surgiu como uma necessidade do sistema capitalista, instrumento eficaz para o controle e a manutenção desse sistema. Sustenta haver espécie de nexo histórico entre o cárcere e a fábrica. Acaba a instituição carcerária por servir de instrumento para reproduzir e ampliar a desigualdade social, e não para a correta ressocialização do delinqüente. A prisão seria, portanto, instrumento assegurador da desigualdade social, na medida em que facilita a manutenção da estrutura vertical da sociedade, impedindo a integração de classes, transformando as classes baixas em classes efetivamente marginais. Baratta sustenta que a estigmatização e o etiquetamento pelos quais passa o delinqüente por meio de sua condenação tornam muito pouco provável sua reabilitação e conseqüentemente dificultam sobremaneira sua ressocialização. Desta feita, segundo Baratta: É utópico pretender ressocializar o delinqüente; é impossível pretender a reincorporação do interno à sociedade por meio da pena privativa de liberdade, quando, de fato, existe uma relação de exclusão entre a prisão e a sociedade. PEARCE, por sua monta, defende: A Criminologia Crítica não propõe o desaparecimento do aparato de controle, pretende apenas democratizá-lo, fazendo desaparecer a estigmatização quase irreversível que sofre o delinqüente na sociedade capitalista . Em que pesem as abalizadas doutrinas de Baratta e Pearce, delas não somos totalmente partidários. Pensamos que a reforma proposta pela Criminologia Crítica pode ser empreendida dentro do sistema capitalista, sem que haja uma ruptura abrupta e radical das estruturas sociais dominantes. O problema não é relativo à organização política de dado Estado, mas sim de aplicação efetiva do sistema penal, bem como do estabelecimento de regras diretivas que norteiem a política criminal da sociedade em questão. Já no que tange ao problema da supressão das prisões, acreditamos, assim como fazem BITENCOURT e BACIGALUPO, que: (...) diante das condições socio-políticas prevalentes na atualidade, a pena privativa de liberdade é um meio de controle social do qual, neste estágio da civilização, não se pode abrir mão. Pode-se e deve-se reformar racionalmente as suas formas de execução, mas não existem condições sociais, políticas, econômicas e culturais que permitam a total supressão da prisão. Feitas estas ressalvas, cabe transcrever ponto da doutrina de Baratta, com o qual concordamos, sem ressalvas: É necessário que a questão criminal seja submetida a uma discussão massiva no seio da sociedade e da classe obreira. Todos os segmentos sociais devem conscientizar-se de que a criminalidade é um problema de todos e que não será resolvido com o simples lema “Lei e Ordem”, que representa uma política criminal repressiva e defensora intransigente da ordem (geralmente injusta) estabelecida. Os meios de comunicação coletiva exercem um papel importante, posto que apresentam a criminalidade como um “perigoso inimigo” interior. Nessas condições, fica difícil que a opinião pública possa abandonar a atitude predominantemente repressiva e vingativa (além de estigmatizante) que tem a respeito do fenômeno delitivo. BITENCOURT, ao comentar a obra de Baratta, apresenta o mesmo ponto de vista: É indispensável uma transformação radical da opinião pública e da atitude dos cidadãos em relação ao delinqüente se se pretende oportunizar-lhe a possibilidade de ressocializar-se. Se isso não ocorrer, será muito difícil a reincorporação ao sistema social de uma pessoa que sofre grave processo de marginalização e de estigmatização. O fenômeno delitivo tem uma inevitável dimensão social; por essa razão é que a atitude e participação do cidadão é decisiva (sic). Em que pesem os questionamentos levantados no que tange à doutrina de Baratta, estamos acordes que quando a política social vigente produz graves injustiças, estas devem ser erradicadas. Talvez, o mais urgente na atualidade seja a supressão das leis penais ou parapenais que, violando o princípio da igualdade perante a lei, reprimem, como típicos, comportamentos das classes marginalizadas, como são os casos da mendicância e da vadiagem. Especificamente sobre o tema da necessidade do direito penal estar acorde com a política criminal do país, bem como da necessidade de subsunção da legislação penal interna ao princípio da ofensividade a bens jurídico-penais e seus pressupostos substantivos, cabe transcrever a lição de FRANCO: Se se toma, como ponto de partida, o Estado Social e Democrático de Direito, não há como imaginar o equacionamento dos conflitos societários sem que haja um controle social capaz de impor regras e comportamentos que visam preservar a coesão social e garantir o convívio pacífico. Ora, dentre os controles sociais formais desse modelo sócio-jurídico, inclui-se induvidosamente o controle penal, cuja atuação objetiva (visa), antes de tudo, conter a forte carga de violência, seja ela privada ou seja ela estatal, imersa numa sociedade conflitiva, reduzindo-a a limites toleráveis. (...) Assim, o controle penal necessita, de algum modo, ser legitimado e tal legitimação deve ser buscada não somente nos limites que lhe são impostos pelos princípios expressos ou implícitos do modelo sócio-jurídico escolhido, mas também na idéia de que sua validade só tem razão de ser se tiver a capacidade de proteger bens jurídicos considerados essenciais para a existência, manutenção e desenvolvimento da sociedade como um todo e do ser humano, enquanto pessoa, impedindo a concretização de condutas que lhes provoquem lesões ou lhes acarretem perigo concreto de lesão. Não há, portanto, concordância possível entre um esquema estatal democrático e um sistema penal atrabiliário, descontrolado, selvagem. Isso significa que a capacidade de criminalizar condutas ofensivas a bens jurídico-penais tem necessariamente pressupostos substantivos que não podem ser desprezados, a menos que se queira estabelecer o reinado da repressão absoluta. Não são, entretanto, todos os bens jurídicos que serão objeto de tutela penal. O direito penal reveste-se de caráter de fragmentariedade, e, portanto, sua atuação não pode abarcar a totalidade da realidade fática. Ainda nos dizeres de FRANCO, os bens jurídicos penalmente tutelados (...) são, em verdade, ilhas isoladas ou, no máximo, arquipélagos, no mar da ilicitude. Indispensável, também, para que o direito penal manifeste interesse em agir, que a conduta delitiva represente uma real ofensa a bens jurídicos, com condições efetivas de lesa-los gravemente, ou, ao menos, coloca-los em perigo concreto de lesão. Reconhece-se, portanto, a inafastabilidade do exame do cabimento do princípio da ofensividade no caso concretamente analisado. Caso não se encontre presente o pressuposto da ofensividade a bem jurídico, admite-se por conseqüência a existência do princípio da insignificância, que lhe é correlato e diametralmente oposto. Caso a ofensa ou o perigo da ofensa seja de pequena expressão sobre o bem jurídico atacado, não há razão lógica que justifique a intervenção da máquina repressora estatal. Neste sentido é a lição de FERRAJOLI, acerca do princípio da ofensividade: (O princípio da ofensividade) tem o valor de critério polivalente de minimização das proibições penais. Ele equivale a um princípio de tolerância tendencial da desviação, idôneo para reduzir a intervenção penal ao mínimo necessário e, com isso, reforçar a sua legitimidade e fiabilidade, pois, se o direito penal é um remédio extremo, devem ficar privados de qualquer relevância jurídica os delitos de mera desobediência, degradados à categoria de dano civil os prejuízos reparáveis, e à de ilícito administrativo todas as violações de normas administrativas, os fatos que lesionem bens não essenciais ou que são, só em abstrato, presumidamente perigosos. Por fim, mesmo que a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico tutelado não tenha sido de pequena monta, mesmo que a conduta delitiva objetivamente observada haja ofendido gravemente algum bem jurídico considerado importante para a sociedade ou para a pessoa humana, mesmo assim ainda é necessário algo mais para a correta justificação da atuação repressora estatal: Se a situação delitiva pode ser equacionada sem o emprego do sistema penal, recorrendo-se a outros tipos de controle, formal ou informal, não há cabimento no apelo às sanções penais que são as mais pesadas do arsenal punitivo e que, não obstante o grande empenho em aboli-las, constituem ainda uma “amarga necessidade” de que a estrutura estatal não tem condições, na atualidade, de prescindir. Coloca-se aqui em jogo o princípio da necessidade. A máquina penal não deve ser posta em ação se outras formas de controle, menos gravosas, podem ser utilizadas. Daí o caráter subsidiário do sistema penal: só deve atuar em última instância quando os demais controles fracassem ou se mostrem inertes. Hodiernamente já se reconhece mais um parâmetro norteador da utilização da tutela penal e sua correlação com a política criminal interna: considera-se indispensável que a interferência repressora estatal produza uma resposta adequada à situação concretamente observada. É necessário realizar-se um prévio juízo de adequação da tutela penal, observando se a atuação penal está apta a atingir os fins visados pela política criminal, bem como conferir se os meios utilizados para se alcançar os fins encontram-se corretamente dosados. Como bem alerta BIANCHINI: Adequação e eficácia encontram-se no plano mais próximo quando se diz que a medida é inidônia, por ser ineficaz. Portanto, pode ocorrer de a intervenção ser considerada imprópria, ou porque os meios são considerados ilegítimos (em descompasso com a expressão de vontade do Estado social e democrático de direito) ou por se considerar ineficaz (não sendo capaz de alcançar os fins visados). Busca-se, portanto, a racionalização do sistema penal, adequando-se a dotação orçamentária disponível a hipóteses de reforma racionalmente aceitáveis e empiricamente verificáveis como capazes de alcançar os fins de defesa da sociedade e de recuperação do criminoso. Por meio da análise da adequação/inadequação do meio pena observada do ângulo estrito do custo do sistema (pena) em relação ao benefício social produzido (tutela eficaz do bem jurídico). Cabe, desta feita, aos operadores do direito que lidam com a política criminal brasileira, interpretar a realidade, estudando as melhores formas de contribuir para a sua modificação e melhoria. Elaborar um discurso teórico da criminalística que se adapte à realidade social indicando os meios necessários à prática de um direito penal em condições condignas, evitando antinomia teleológica, é máxima que deve ser perseguida. Não podemos aceitar, portanto, a falta de critério político-criminal, que leva o legislador a coadunar com uma incontinência legislativo-penal que se traduza em Leis casuísticas, tornando evidente a falta de critério político-criminal e a gritante demonstração de desconhecimento das técnicas básicas de elaboração normativa. Visando a reparação deste erro, o legislador pátrio optou por acatar os lineamentos de certos institutos de controle da produção normativa, de cunho eminentemente alternativo e humanístico, alterando de forma abrupta parte importante da política criminal brasileira. Desta feita, primeiramente em 1995, editou-se a Lei nº 9.099/95, que criou os Juizados Especiais, e, em 25 de novembro de 1998, surgiu entre nós a Lei nº 9.714, regulamentando as Novas Penas Alternativas. A priori, temos a impressão de que os dois diplomas legais adotaram a mesma política criminal descarcerizadora e despenalizadora, na medida em que buscam, sempre que possível, evitar a pena privativa de liberdade, substituindo-a por outras alternativas sancionatórias. BITENCOURT , no entanto, ensina: Contudo (as Leis 9.099/95 e 9.714/98) não atuam na mesma faixa, quer de infrações quer de sanções penais. A primeira limita-se às infrações de menor potencial ofensivo (ressalvada a hipótese de seu art. 89), cuja sanção não ultrapassa a um ano de privação; a segunda, muito mais abrangente, destina-se à criminalidade média e até grave, na medida em que o limite de quatro anos não se refere à pena cominada, in abstracto, mas, ao contrário, contempla o limite máximo de pena concretizada na decisão final condenatória. Implica afirmar que infrações abstratamente puníveis com sanções de até oito ou dez anos podem, eventualmente, beneficiar-se com penas alternativas (...). Com efeito, a nova previsão de penas “restritivas de direitos” abrange mais de noventa por cento das infrações tipificadas no Código Penal brasileiro, estando excluídos dessa política, basicamente, apenas os crimes contra a vida, os crimes contra o patrimônio praticados com violência (como roubo e extorsão), o estupro e o atentado violento ao pudor, em razão da quantidade da pena. Afora estas infrações, somente algumas outras, que forem praticadas com violência ou grave ameaça à pessoa, estarão excluídas. (...) qualquer infração penal de menor potencial ofensivo, independentemente de sua forma de execução, em princípio, será abrangida pela política criminal consensual da Lei n. 9.099/95. No entanto, a aplicação da política criminal descarcerizadora da Lei n. 9.714/98, para penas não superiores a quatro anos, exige que a infração penal não tenha sido praticada “com violência ou grave ameaça à pessoa (art. 44, I, do CP). É prudente e racional que esta nova política, mais abrangente e mais audaciosa, venha enriquecida de requisitos necessários para autorizar a sua aplicação, pois de alguma forma e através de algum meio, precisam-se filtrar os inconvenientes naturais de uma política extremamente abrangente, sob pena de se oficializar a impunidade e tornar impossível a convivência social. Apesar do peso das assertivas propostas por Bitencourt, pensamos de modo um pouco diverso. Acreditamos que as duas Leis em comento estão norteadas pela mesma política criminal, descarcerizadora e despenalizadora, ora em voga no direito penal brasileiro, visualizada num conceito unitário, em consonância com as diretrizes dos modernos Acordos Internacionais, tais como as Regras de Tóquio. O que ocorre, na prática, é que nos Juizados Especiais Criminais as penas restritivas de direitos possuem natureza alternativa, enquanto no Código Penal (mesmo após a Lei 9.714/98) elas são de natureza substitutiva. Em outras palavras: nos Juizados Especiais Criminais não há aplicação de pena privativa de liberdade a ser substituída, partindo-se diretamente da cominação abstrata; já no sistema do Código Penal, concretiza-se a pena de prisão, que, a seguir, deve s

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