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26 de Abril de 2024
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    AUDIÊNCIA PÚBLICA COMO DIREITO DE PARTICIPAÇÃO

    há 21 anos

    Maria Goretti Dal Bosco - advogada, professora do curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS, e da Unigran, em Dourados-MS, mestre em Direito pela UNESP-SP e doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. RESUMO O artigo discute a audiência pública como um dos direitos de participação do cidadão na Administração Pública, abordando a doutrina e a legislação brasileiras e o direito comparado. Previsto na Declaração dos Direitos Humanos, o direito de participação tem baixa observância na grande maioria dos países em desenvolvimento, especialmente na América Latina. A abordagem retrata a baixa utilização do instituto no Brasil e constata a ausência de previsibilidade desse direito como um dos fundamentais contidos na Carta Constitucional, embora possa ser considerado um direito de quarta geração, ao lado dos direitos individuais, considerados de primeira geração, os direitos sociais, de segunda geração, e os direitos da fraternidade, de terceira geração. SUMÁRIO I. INTRODUÇAO II. LEGITIMIDADE DO PODER 2.1. Legitimidade e legalidade 2.2. Discricionariedade e legitimidade 23. Crise das políticas públicas III. DIREITO DE PARTICPAÇÃO 3.1. Democracia como novo direito 3.2. Direito de participação e direitos humanos 3.3 Direito de participação em países desenvolvidos 3.4. Direito de participação na América Latina 3.5. Técnicas de participação 3.5.1. Audiência pública A) Origem B) Distinção de sessão pública e reunião popular C) Princípios gerais D) Previsão legal E) Procedimento da audiência pública a) Pré-audiência b) Regras sobre provas c) As Partes na audiência pública F) Audiência pública no ordenamento brasileiro a) Previsão constitucional b) Legislação infraconstitucional G) Vantagens da audiência pública IV. CONCLUSÃO V. BIBLIOGRAFIA I. INTRODUÇÃO O cidadão não é apenas mais um mero espectador das realizações do poder público. Além de ser alguém que exerce direitos, cumpre deveres ou goza de liberdades em relação ao Estado, ele é também o titular, mesmo que de forma parcial, de uma função ou de um poder público. O direito de participação do administrado no Brasil ainda encontra inúmeras barreiras para sua implementação efetiva pela estrutura administrativa brasileira, situação que igualmente ocorre em alguns países desenvolvidos, como a Espanha, e percebe-se que também neles há dificuldades no respeito a esse direito do cidadão, ainda mais agravadas quando se trata da América Latina, onde as leis falam de participação, mas a prática política as desmente. Alguns países europeus e os Estados Unidos oferecem bons exemplos de participação popular na administração pública. As barreiras no Brasil são primeiramente de natureza cultural, já que o modelo político que adotamos, chamado de democracia, encontra-se ainda em fase de aperfeiçoamento, motivada esta situação, em muito, pelo longo período de ditadura militar que tomou conta do País. O presente trabalho busca abordar as principais questões relacionadas ao direito de participação no Brasil, dando ênfase às audiências públicas, instrumento presente na legislação já há algum tempo, principalmente depois da promulgação da Constituição de 1988, mas de fraca utilização pela administração pública. A incursão se dá à doutrina nacional, seguindo-se uma avaliação do tema na doutrina e legislação de países estrangeiros, esta motivada pela ainda restrita bibliografia pátria específica acerca do tema, em especial as audiências públicas que parece interessar pouco aos estudiosos brasileiros, os quais dedicam apenas algumas linhas ao assunto em suas obras. A participação envolve a discussão da legitimidade do poder do Estado. Por isso, o trabalho aborda o conceito de legitimidade e seu confronto com a legalidade, a discricionariedade e as políticas públicas cuja decisão e execução competem ao Estado, através da Administração. Isto porque é nestas definições, ao que parecem indicar as circunstâncias, que ocorrem as limitações ao direito de participação da coletividade, o que implica em administrações ineficientes e, em muitos casos, até imorais. Aborda-se, ainda, a participação política enquanto direito de quarta geração, ao lado dos direitos individuais, considerados de primeira geração; os direitos sociais, de segunda geração, e os direitos da fraternidade, de terceira geração. Passa-se, também, pela visão da participação política como um dos direitos consagrados na Declaração dos Direitos Humanos, avaliando-se, por fim, as formas de participação, seus instrumentos e, entre eles, a audiência pública, prática das mais inovadoras no sistema jurídico administrativo brasileiro. II. LEGITIMIDADE DO PODER A questão da participação da sociedade nas ações do poder público está ligada à legitimidade deste mesmo poder. O professor Diogo Figueiredo Moreira Neto, ao abordar o tema, toma a legitimidade como referencial político, sendo um dos três referenciais éticos do poder, junto com a licitude (referencial moral) e a legalidade (referencial jurídico). Assim, a licitude é o resultado de um juízo de valor cujo lastro são os paradigmas fundamentais de comportamento, produzidos no processo histórico-cultural do desenvolvimento de um grupo social e situa-se no campo da Moral; A legalidade, diz o professor, é o referencial ético mais estrito das sociedades superiormente desenvolvidas, pois necessita de uma sedimentação institucionalizada da vontade social em forma de normas jurídicas. Está relacionada ao Direito como um conjunto de leis de uma sociedade juspoliticamente organizada; a legitimidade aparece na aceitação consensual pela sociedade, de um comportamento, de uma decisão ou de uma idéia que, direta ou indiretamente, diga respeito à direção do grupo. Compreende o domínio da Política e, em razão disso, relaciona-se à vontade da sociedade. A legitimidade, portanto, é caracterizada pelos interesses do grupo, aquilo que a sociedade almeja do poder. Ela é a base do poder político. O autor ainda lembra que é muito difícil estabelecer uma legitimidade de grande abrangência em países com grandes desigualdades econômicas e educacionais; ele considera a atribuição de poder um problema delicado, pois implica em definir a medida legítima de poder que cabe aos indivíduos, às instituições, aos grupos, à sociedade como um todo e ao Estado: é uma das definições cruciais das constituições dos Estados, ao lado da destinação de poder, ou seja, a escolha dos grandes objetivos sociais que devem ser buscados pelo poder estatal. Essa destinação, ou resultado do exercício do poder em relação aos anseios e aspirações da coletividade é chamada de legitimidade finalística ou teleológica. 2.1. Legitimidade e legalidade A legalidade contraposta à legitimidade indica que a norma jurídica, que é o referencial para apreciação ética do poder, deve cristalizar valores vigentes na sociedade. Diogo Moreira Neto ensina que a legalidade possui fenômenos característicos: concentração, atribuição, destinação, exercício, contenção e detenção do poder; na concentração, estabelecem-se os limites e impedimentos ao processo de aglutinação do poder; na atribuição, a ordem jurídica discrimina o poder reservado aos indivíduos, às instituições e grupos e o que é deferido ao Estado; no fenômeno do exercício encontra-se a legalidade em sentido estrito, quando o poder está balizado juridicamente sob aspectos orgânicos e funcionais; a contenção do poder se estabelece pelas técnicas de limitação e de controle, através de instrumentos legais para assegurar o Estado de Direito; a detenção, fenômeno que mais importa neste estudo, implica em que a manutenção do poder será legal sempre que o acesso e a manutenção de cargos e funções se dêem de acordo com a previsão da norma legal. É aqui que ganham importância os mecanismos jurídicos de participação, através dos quais ocorre a compatibilização entre a detenção legítima do poder (consenso) e a detenção legal do poder (título). E um sistema juspolítico vale enquanto tenha eficiência em todos os fenômenos da legalidade. Norberto Bobbio aperfeiçoa um conceito de Max Webber sobre a ordem legítima no qual destaca o papel do consenso como técnica social imprescindível à dinâmica política (a legitimidade) para objetivar se numa dinâmica jurídica (a legalidade), possibilitando o equilíbrio, evitando o clima de tensão e garantindo o respeito e o ajustamento dos valores que correspondem, no sentimento coletivo, à aspiração de justiça. A conclusão desse raciocínio é a de que sistemas juspolíticos de alto consenso têm maior legitimidade e baixo nível de coerção, enquanto que, os de baixo consenso têm maior legalidade, mas necessitam de alto nível de coerção para funcionar. 2.2. Discricionariedade e legitimidade Para o professor Diogo Moreira Neto, a discricionariedade não se resume a um fenômeno restrito da atuação do Estado administrador, mas também enquanto legislador ou juiz, sendo muito mais uma técnica de integração jurídica que transcende ao Direito Administrativo e interessa a todo o Direito Público. Afirma o autor que, em sentido restrito, a discricionariedade é a possibilidade jurídica outorgada pelo legislador ao administrador para integrar a definição do interesse público específico, previsto na norma legal; e sua função é integrar um ato abstrato no que seja necessário, em termos de interesse público, para que possa ser executado. Assim, a discricionariedade pode ser conceituada como: ... a qualidade da competência cometida por lei à Administração Pública para definir, abstrata ou concretamente, o resíduo de legitimidade necessário para integrar a definição de elementos essenciais à prática de atos de execução voltados ao atendimento de um interesse público específico. A discricionariedade, portanto, envolve o poder discricionário, como modo de atuar do poder do Estado; atividade discricionária, enquanto função estatal, ou expressão dinâmica do poder; e ato discricionário, que é o resultado qualificado do exercício da função estatal. O nascimento do dever da boa administração deu origem às modernas teorias sobre discricionariedade. E a discricionariedade existe para que a Administração seja concretamente boa, toda vez que a legislação não puder definir previamente, senão em abstrato, o que seja o bom atendimento do interesse público. 2.3. Crise das políticas públicas A definição das políticas públicas no País transformou-se num exercício de ineficiência. Os mecanismos que cercam estas definições - Lei Orçamentária e Lei de Diretrizes Orçamentárias, além dos planos plurianuais de investimentos - não têm sido capazes de ajustar-se aos recursos financeiros do orçamento público e nem de atender às necessidades básicas da população. Basta observar o direcionamento dos recursos públicos nos diversos níveis de governo para perceber que a escolha das áreas para investimentos, em sua maioria, deixa de fora questões cruciais que afligem a sociedade, como a saúde precária, a violência, o transporte público, entre outras. O tema foi objeto de discussão recente em seminário educativo apoiado pelo jornal Folha de São Paulo e que resultou na edição da Segunda Carta de São Paulo, documento contendo as principais conclusões do encontro apresentadas pelos expoentes da administração pública no Brasil, incluindo personalidades da organização governamental federal. O tema participação popular na definição de políticas públicas, curiosamente, não fez parte das discussões do encontro, que definiu como importante, neste aspecto, a atuação da imprensa, segundo consta do documento final, nestes termos: A Imprensa desempenha relevante papel no desenvolvimento do País e nas políticas públicas, desde que tenha a garantia de sua indispensável liberdade de expressão, que não pode ser restringida sob qualquer pretexto. Esse equilíbrio repousa na pluralidade dos veículos de difusão noticiosa, garantindo-se aos seus usuários a opção dentre diferentes versões dos acontecimentos, e na responsabilidade das fontes informativas, que devem atuar sem mordaças, conscientes do dever de respeitar a privacidade e a intimidade dos indivíduos que protagonizam as notícias. A crise parecer ser mesmo de competência, de ausência de vontade política, ambas nascidas na falta de participação da sociedade, de exigência de seus direitos aos serviços públicos básicos, contemplados na Constituição Federal. III. DIREITO DE PARTICIPAÇÃO 3.1. Democracia como novo direito Modernamente, a democracia deve ser considerada mais como um direito do que uma forma de governo. Um direito novo, de quarta geração. A tese é do professor Paulo Bonavides , para quem os direitos individuais seriam os de primeira geração, os direitos sociais, de segunda e os direitos da fraternidade, de terceira geração. E acrescenta: os direitos humanos de primeira geração pertencem ao indivíduo, os de segunda, ao grupo, os da terceira, à comunidade e os de quarta geração, ao gênero humano. Os três primeiros são direitos de defesa e os três últimos, de participação, conforme a clássica teoria alemã. Assim, tanto quanto o desenvolvimento - considerado direito de terceira geração - a democracia é direito do povo - diz o autor - se converte em pretensão da cidadania à titularidade direta e imediata do poder, subjetivado juridicamente na consciência social e efetivado de forma concreta pelo cidadão, em nome e em proveito da sociedade, e não do Estado. 3.2. Direito de participação e Direitos Humanos A Declaração dos Direitos Humanos, no art. XXI reza: Todo homem tem direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. Fábio Konder Comparato desenvolve o raciocínio de que na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o princípio da liberdade compreende tanto a dimensão política quanto a individual, e que as duas são complementares e interdependentes. O autor diz que a liberdade política, sem as liberdades individuais, não passa de engodo demagógico de Estados autoritários ou totalitários. E o reconhecimento das liberdades individuais, sem efetiva participação política do povo no governo, mal esconde a dominação oligárquica dos mais ricos. Ainda está nítida na declaração, para Comparato, a afirmação da democracia como único regime político compatível com o pleno respeito aos direitos humanos. O regime democrático já não é, pois, uma opção política entre muitas outras, mas a única solução legítima para a organização do Estado. Ele cita, ainda, o reconhecimento, pela declaração, no art. 28, o direito da humanidade a uma ordem internacional que respeite a dignidade humana. É nisto que consiste, hoje, o direito à busca da felicidade, que a Declaração de Independência dos Estados Unidos considerou como inato no ser humano. 3.3. Direito de participação em países desenvolvidos O direito de participar das definições da administração pública está presente já há algum tempo nas discussões de vários autores estrangeiros de Direito Público. Garcia de Enterría e Tomáz-Ramón Fernandes, abordam o tema lembrando que a participação dos usuários nos sistemas de serviços públicos costuma ser pouco relevante porque depende de estruturas de organização que só a Administração pode estimular, embora haja na Constituição espanhola previsão de inúmeras formas de participação do cidadão (pais e professores no controle das escolas, na seguridade social, etc.), além de prever, genericamente, que devem os poderes públicos (...) facilitar a participação de todos os cidadãos na vida política, econômica, cultural e social. Os autores afirmam que o cidadão fica praticamente indefeso diante da Administração quando precisa que um novo serviço seja criado, ou melhorado aquele já existente. Eles lembram que a participação dos cidadãos jamais pode sobrepor-se à lei. Há, segundo os autores, três círculos de participação cidadã sobre as funções administrativas: atuação orgânica, na qual o cidadão incorpora-se a órgãos da Administração especialmente criados para isso - os conselhos, etc.; a atuação funcional - em que o cidadão desempenha funções administrativas de sua própria posição privada, como opinar sobre determinada atividade, convidado pela Administração, que seria a participação em informações públicas, denúncias, ações populares, iniciativas e sugestões, entre outras; e a atuação cooperativa - na qual o cidadão colabora de forma voluntária com a Administração, nos programas e atividades por ela propostos, mas sem qualquer ligação oficial com o poder público. Marcelo Caetano refere-se à necessidade de estabelecer um compromisso maior do Poder Público para com os direitos de participação do cidadão, lembrando que as garantias políticas previstas nas Constituições não dão qualquer segurança de que haverá efetivamente o exame e o atendimento ao clamor individual ou coletivo. Os direitos de pedir, de representar, exercer atividade cívica, de promover ou de participar de reuniões e de associações - diz o autor - estão previstos em todas as constituições, mas o único dever que a eles corresponde da parte do Poder político é o de não embaraçar o respectivo exercício. A sorte da ação desenvolvida à sombra desses direitos depende da receptividade de quem detém o poder e da conveniência que encontre em atendê-la. O autor lembra da figura do Comissário Parlamentar previsto na Constituição sueca (espécie de ombudsman - como o mediatéur, da França) encarregado de receber as queixas sobre o funcionamento de serviços e investigá-las, recomendando providências aos órgãos competentes. O argentino Roberto Dromi fala de uma representação e participação cidadãs no poder. Afirma que os povos vêm reclamando mais do que a democracia representativa prevista no art. 22 da Constituição argentina. Os povos vêm exigindo uma democracia participativa para somar propostas, compromissos e esforços, pois, chegou o momento de construir sobre as coincidências. O autor constata que o indivíduo alienado, ocupado por demais consigo mesmo, com o eu e despreocupado do vós já conscientizou-se de que também deve ocupar-se do nós no qual se encontra o seu destino final (venha nós e ao vosso reino, nada) O Estado de direito democrático deve quebrar a indiferença social e a apatia política se quiser seguir vivendo em um mundo de liberdade. A institucionalização da participação não deve ficar só na letra da lei, mas também no espírito dos povos. Ele defende o incentivo às instituições de caráter profissional, econômico e associativo nascidas do espírito de organização e de empresa do homem, com missões e responsabilidades específicas. A sociedade pluralista impõe uma repartição de competências, em distribuição subsidiária entre as associações que viabilizam a participação individual e a cooperação social. A democracia, como forma civilizada de viver, aspira a realização plena do homem em liberdade e, para isso, exige uma “participação integral”, não só política e nem simplesmente política eleitoral, mas também administrativa, econômica e social. O homem deve ser “partícipe” da gestão pública em seus distintos níveis institucionais. 3.4. Direito de participação na América Latina O professor Bernardo Kliksberg aponta dez falácias que as autoridades públicas e os especialistas costumam afirmar sobre a América Latina. A oitava falácia é exatamente a da participação do cidadão nos governos. O autor apresenta dados sobre a situação dos povos latino-americanos e constata que a grande maioria dos pobres desta região é de crianças e adolescentes. Dados da Cepal, do ano de 2000 (Comissão especializada em estudos sócio-econômicos da América Latina), apontavam que 58% das crianças menores de 5 anos eram pobres, o mesmo acontecendo com 57 % das crianças de 6 a 12 anos e 47% dos adolescentes de 13 a 19 anos. No conjunto, os menores de 20 anos representam 44% da população da região e 54% de todos os pobres. O autor afirma que o discurso político tende cada vez mais a reconhecer a participação, pois seria muito antipopular enfrentar a pressão pró-participação da sociedade e com argumentos tão contundentes a seu favor. Mas os avanços reais com relação a programas com altos níveis de participação comunitária são muito reduzidos. Predominam os programas “chave na mão” e impostos de cima para baixo, onde os que sabem têm o poder de decisão e a comunidade desfavorecida deve acatar suas diretivas. São comuns os programas que trazem fortes apelos participativos, mas que têm, na verdade, um mínimo conteúdo real de intervenção da comunidade. O discurso diz “sim” à participação, mas os fatos com freqüência dizem “não”. A questão brasileira está mais ou menos nesse caminho. Exemplo: as consultas públicas são anunciadas no Diário Oficial da União ou nos sítios oficiais do Governo na Internet, mas esses meios levam a informação a poças pessoas. Na América Latina, segundo dados da Cepal, menos de 1% das pessoas têm acesso ao computador, um dado que não é muito diferente no Brasil. Quanto a Diário Oficial da União, o acesso é ainda mais restrito. Os custos dessa falácia são enormes, garante Kliksberg: desperdiça-se uma grande energia latente nas comunidades pobres, que poderia ser canalizada para iniciativas de grande sucesso. Ele cita os casos de uma vila no Peru, escolas em El Salvador e do orçamento municipal participativo de Porto Alegre. E assegura que a presença da comunidade na discussão das políticas públicas é um dos poucos meios provados que previnem a corrupção. E mais: o divórcio entre o discurso e a prática é claramente percebido pelos pobres e eles ficam ressentidos, descontentes e frustrados, passando a resistir profundamente às iniciativas de participação, porque as comunidades estão “escaldadas” pelas falsas promessas. O mesmo autor aponta um levantamento sobre o pensamento dos povos latino-americanos sobre a situação que enfrentam: apenas 17% disseram estar vivendo melhor que seus pais; mesmo assim, a maioria prefere o sistema democrático de governo (mais de 60%), embora estejam insatisfeitos e desesperançados; é um sistema que atende os anseios de apenas 35% das pessoas ouvidas. Aparecem cerca de 20% desejando regimes autoritários. Só para uma comparação, na União Européia, a democracia é considerada eficiente para 47% das pessoas, enquanto na Dinamarca, esse índice chega a 84%. 3.5. Técnicas de participação Há dois fenômenos da administração pública contemporânea, vistos por Massimo Giannini: abertura do processo administrativo a qualquer portador de interesse e o desenvolvimento de instrumentos de administração consensual. No primeiro caso, o fenômeno está ligado à processualidade ampla, enquanto no segundo, encerra a expansão da consensualidade na atividade administrativa pública. Assim para o superior atendimento de inúmeros interesses públicos, convém mais ao Estado ser parceiro do que órgão de coerção. O professor Diogo Moreira Neto fala de institutos polivalentes e univalentes de participação. Os polivalentes são aqueles que se dirigem à atuação de quaisquer entes ou poderes do Estado, como a representação política, a publicidade, a informação, a certidão e a petição. Os univalentes (ou específicos) são os que se destinam especificamente a determinadas ações realizadas pelo Estado, como a coleta de opinião, o debate público, a audiência pública, o colegiado público, a co-gestão de órgão ou entidade, a assessoria externa, a delegação atípica, a provocação de inquérito civil, a denúncia aos tribunais ou conselhos de contas a reclamação relativa à prestação de serviços públicos. 3.5.1. Audiência pública Agustín Gordillo relata a existência de um direito constitucional implícito à audiência pública prévia, antes da adoção de medidas que possam afetar a coletividade, previsto na Constituição Nacional argentina, nos arts. 42 e 43, e de forma explícita na Carta Constitucional de Buenos Aires. Ele considera esse um direito substantivo e adjetivo de incidência coletiva, e também um direito subjetivo. Pode ser aplicada em relação a todos os serviços públicos privatizados, sob condições de monopólio. Sua utilidade prática, na Argentina, segundo o autor, tem demonstrado ser um instituto insubstituível e que obriga as autoridades a ouvir as razões e avaliar alternativas antes de tomar decisões que afetam o meio ambiente ou a comunidade, de qualquer outra forma. Há decisões na jurisprudência Argentina de anulação de atos que prescindiram da audiência pública antes de serem editados. Gordillo afirma que o Judiciário deve conceder medidas cautelares para que se realizem audiências públicas antes de decisões que afetarão direitos dos usuários. O direito à audiência pública ainda está implícito, segundo o autor, no Pacto de San José da Costa Rica, artigo 23.1; Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e Declaração de Direitos e Deveres do Homem. Entre outros exemplos da audiência pública como um direito de incidência coletiva, O ele relata a situação concreta do reajuste de tarifas telefônicas, na década de 90, que só foi estabelecido após a Justiça conceder à população o direito de avaliar o assunto em audiência pública. A) Origem A audiência pública tem origem no direito anglo-saxão, fundamentado no direito inglês e no princípio de justiça natural, e no direito norte-americano, ligada ao princípio do devido processo legal (due process of law).Para Agustín Gordillo, ela representa a garantia clássica de audiência prévia e a garantia constitucional do devido processo em sentido substantivo. B) Distinção de sessão pública e reunião popular Gordillo distingue a audiência da sessão pública, afirmando que, na sessão pública, a platéia apenas assiste passiva, assim como os jornais e emissoras de rádio e TV. Na audiência pública, a coletividade é parte interessada e ativa,com direitos de natureza procedimental a ser respeitados, direitos de oferecer e produzir provas e controlar as que são produzidas e de fazer alegações. E a falta de sua ocorrência pode ocasionar nulidade da decisão da Administração, como está previsto em algumas leis, especialmente as que dizem respeito a serviços concedidos. Mesmo quando a lei se referir apenas a “audiências”, deve-se ter esta conotação de participação ativa, diz o autor. Quanto às reuniões populares (town mettings, em inglês), são de caráter informal, abertas ao público e apenas servem para troca de opiniões entre a autoridade e os cidadãos.É o mesmo procedimento dos candidatos a cargos públicos, só que nas town mettings, os funcionários utilizam o contato para certificar-se de que estão atuando em sintonia com o que a população deseja. O funcionário público ouve diretamente a população e recebe informações que não vinculam sua atuação, apenas servem para orientação destinada a melhorar o trabalho. C) Princípios gerais Gordillo recomenda não esquecer que as audiências públicas, embora tenham caracteres semelhantes ao processo judicial, sempre terão natureza administrativa. Ele aponta nove princípios gerais que regem o instituto da audiência pública: o devido processo, a publicidade, oralidade, informalismo, contraditório, participação, instrução, impulso de ofício e economia processual. Alguns autores acrescentam a gratuidade. O professor Diogo Moreira Neto desdobra em quinze princípios, desmembrando ainda, o princípio do devido processo. Inicia com os princípios fundamentais, previstos na Constituição brasileira: princípio democrático - que se manifesta na legitimidade, ou a conformidade do agir do Estado com a vontade popular; e desdobra-se nos princípios da cidadania - (art. 1o., II, da CF), que reconhece no povo o poder político elementar de decisão sobre a coisa pública; e da participação política - (art. 1o., p. Único da CF)- que instrumenta o poder político, tanto para a escolha dos dirigentes públicos quanto para a escolha do conteúdo político ou administrativo das decisões consensualmente deliberadas. Aqui, funciona como princípio informativo da audiência pública. A seguir, o autor trata dos outros princípios constitucionais: da igualdade, da reserva legal, princípio associativo, da publicidade, do devido processo, do contraditório, da ampla defesa; por último, princípios desenvolvidos pela doutrina: da realidade, da lealdade, da motivação, da proporcionalidade, e da prevenção de litígios. A igualdade implica na proibição de tratamento diferenciado para os participantes das audiências públicas; a reserva legal informa que a lei é a única fonte de direitos e obrigações da Administração e dos participantes da audiência; o princípio associativo resguarda a liberdade de manifestação dos indivíduos, atendendo às previsões do art. 5o. da CF, como o reconhecimento das entidades para representarem seus filiados; a publicidade representa o direito à informação, tanto no interesse particular quanto coletivo ou geral, destinada a fundamentar as decisões individuais dos participantes; o devido processo implica em que, sendo a audiência espécie processual administrativa, também deve respeitar as garantias do devido processo, cercado do contraditório e da ampla defesa; o princípio da realidade traduz no processo o senso comum dos participantes, possibilitando que se definam os interesses que melhor satisfazem às aspirações dos interessados; da lealdade, pelo qual o Estado deve atuar sempre respeitando a boa fé dos administrados, não dando prioridade aos seus interesses públicos derivados, jamais usando essa prática para mascarar ou encobrir suas reais intenções; o princípio da motivação impõe a enunciação expressa ou tácita das razões que determinam a realização da audiência pública; da proporcionalidade, que pode ser aspecto da razoabilidade e implica num sentido finalístico ao processo da audiência pública, tentando limitar os sacrifícios decorrentes da ação da Administração às vantagens esperadas pelos participantes, assim como limitar o sacrifício individual exigido à correspondente compensação que possa ser auferida individual ou de forma coletiva; a prevenção de litígios traduz a necessidade de prudência da administração em esgotar todos os meios para evitar os conflitos e demandas. Agustín Gordillo faz uma abordagem interessante sobre o princípio da gratuidade. Aventa a possibilidade de necessidade de gastos para produção de provas ou assessoramento para instruir a audiência pública. Neste caso, diz que o ressarcimento deve ficar a cargo da discricionariedade da Administração. E quando a Administração resolver fazer as audiências longe de sua sede, provocando gastos desnecessários aos usuários que desejarem participar, poderá caracterizar-se desvio de poder, uma vez que o propósito da Administração seja conseguir opiniões favoráveis às decisões que pretende tomar. O autor cita o exemplo das audiências públicas na Argentina para a reestruturação tarifária, em 1995 e 1996. Os usuários alugaram ônibus e foram à audiência e os técnicos não colocaram o tema em discussão. A decisão que autorizou as novas tarifas foi anulada pelo Judiciário, por falta da audiência pública. Quanto aos gastos com publicidade, o autor sugere que a lei ou o contrato de concessão de serviços concedidos, por exemplo, repassem às concessionárias esses custos, que podem ou não ser transferidos às tarifas. Nos EUA, as audiências para grandes projetos têm uma publicidade especial, em página completa e ímpar dos grandes jornais (Washington Post e New York Times) e em jornais dos locais onde haverá audiências públicas. D) Previsão legal Gordillo, ao contrário do professor Diogo, defende que a Administração seja obrigada a realizar audiências públicas não apenas nos casos previstos em lei ou regulamento, mas em todos os demais casos em que os efeitos da decisão excederem o caso particular, e quando objetivamente seja necessário para o exercício do direito de defesa dos usuários e outros afetados, colaborando para maior eficácia e legitimidade jurídica e política das decisões. Na Argentina, um decreto-lei nacional prevê nulidade à da decisão por ausência de audiência pública ou a sua realização defeituosa. E) Procedimento da audiência pública a) pré-audiência Gordillo informa que nos EUA, o Estado de Nova Iorque tem em sua legislação a previsão de que preside a audiência pública pode acordar para a celebração de uma pré-audiência para ordenar e simplificar assuntos, acertar a troca de testemunhas ou documentos, limitar o número de depoimentos, fixar datas e emitir instruções para o melhor desenvolvimento do processo. Os fatos expostos na pré-audiência terão privilégio na audiência definitiva. É uma espécie de saneamento do processo. O autor afirma preferir uma pré-audiência obrigatória em todos os casos em que está indicada, e discorda de assuntos privilegiados tratados em pré-audiência, pois atenta contra o caráter público e igualitário do procedimento. A lei do Estado de Wisconsin veda que os funcionários envolvidos na audiência pública intervenham apoiando ou se opondo à causa tratada. A interferência é só a suficiente para conhecimento dos fatos. A legislação argentina prevê imparcialidade obrigatória ao instrutor dos sumários administrativos. b) Regras sobre provas Agustin Gordillo, afirma que o critério fundamental é a amplitude das provas, e a adoção do princípio da razoabilidade para casos de indeferimento. O registro dos atos pode ser feito por notas taquigráficas, gravações de áudio e vídeo, mas deve sempre haver um tipo de registro dos atos realizados. A legislação brasileira não tem instituto específico a regular o procedimento de audiências públicas, mas a Lei 9.784/99 (do processo administrativo), contém as regras gerais para todo procedimento administrativo e que informam também a audiência pública. O art. 36 abre a possibilidade para apresentação de provas pelo interessado, assim como indicá-las à autoridade, no caso de documentos e atos registrados em órgãos públicos, os quais serão providenciados de oficio pela autoridade (art. 37). A recusa de provas só pode ocorrer caso sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias (não há o conceito desses adjetivos) - art. 38 - e a decisão deve ser fundamentada. Os despachos e decisões deverão ser motivados sempre que impliquem em limitação ou agravamento da situação dos litigantes, e ainda em casos específicos do art. 50 da Lei do Processo Administrativo. c) As partes na audiência pública Em princípio, a legislação brasileira não veda a presença de qualquer pessoa aos procedimentos públicos de natureza consultiva em que é admitida a presença dos cidadãos comuns. Na Argentina, segundo Gordillo, podem ser admitidos cidadãos portadores de direito subjetivo, interesse legítimo e, mais modernamente, também interesse difuso; pessoas públicas supranacionais, internacionais, ou simplesmente privadas. É necessário estar presente também um defensor do usuário, um fiscal ad hoc, além do que se chama de Defensor do povo da Nação. F) Audiência pública no ordenamento brasileiro No Brasil, o art. 1o. da Constituição prevê que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. O professor Diogo aponta a existência de mais de uma centena de dispositivos de um Direito de Participação na Constituição Federal. Entretanto, afirma que a adoção da audiência pública depende de previsão legal que lhe defina o processo e a eficácia, mesmo nos casos previstos na Constituição: a) Previsão constitucional A Constituição Federal tem várias previsões expressas ou implícitas do uso da audiência pública pela Administração. Estão nos seguintes dispositivos: art. 29, XII - cooperação das associações representativas no planejamento municipal; art. 194, parágrafo único, VII - participação da comunidade nas decisões sobre a seguridade social; art. 198, III - participação da comunidade nas ações e serviços públicos de saúde; art. 204, II - a participação da população através de organizações representativas na formulação de políticas de assistência social; art. 225, caput - implicitamente impõe à sociedade o dever de atuar para defender e preservar o meio ambiente; art. 58, parágrafo 2o., II - adoção nominal pelas comissões do Congresso Nacional, nas matérias de sua competência, de audiências públicas com entidades da sociedade civil. b) Legislação infraconstitucional Nas leis ordinárias, há algumas previsões sobre a utilização da audiência pública, como nos seguintes dispositivos: Lei 8.666/93 (Licitações e Contratos administrativos), art. 39, prevê a realização de audiência pública em casos de projetos que seja superior em cem vezes ao valor da concorrência pública. Neste aspecto é preciso reconhecer que muitos grandes projetos ficam em menos de 100 vezes esse valor e não obrigam a audiência. Embora a lei não diga, a interpretação mais apropriada parece ser a de que a previsão tem efeito vinculatório e anula o procedimento em sua falta, sempre que isto resulte prejuízos ao erário público ou aos particulares. No que se refere ao meio ambiente, o art. 225 da Constituição, caput, encontra-se regulamentado no art. 8o., II da Lei 6.938, que instituiu o Conselho Nacional do Meio Ambiente, autorizando a convocação de entidades privadas para atuar informativamente na apreciação de estudos de impacto ambiental. A resolução 009/87 do Conama regulamentou a previsão prevendo a realização de audiência pública sempre que julgar necessário ou quando solicitada por entidade civil, pelo Ministério Público ou por mais de cinqüenta cidadãos. Quando solicitada e não realizada a audiência, a licença ambiental será invalidada. A Lei n. 9.784/99 (do Processo Administrativo) prevê, no art. 32, a possibilidade de audiência pública para debates sobre a matéria objeto de processo administrativo, antes da tomada de decisão, sempre haja relevância da questão, a juízo da autoridade. No art. 33, a lei abre à Administração uma brecha para adotar outras formas de participação dos administrados, diretamente ou por associações. A legislação que trata das concessões e permissões de serviços públicos traz previsão sobre o assunto. A lei 8.897/95, no art. 3o., fala em cooperação de usuários na fiscalização das concessões, o que, tacitamente, segundo o professor Diogo Moreira Neto, autoriza o Poder público, discricionariamente, a regulamentar as audiências públicas. A Lei 9.074/95 confirmou a previsão no art. 33, transferindo ao poder concedente a escolha da forma de participação dos usuários na execução da fiscalização. O bom senso parece impor a obrigatoriedade de adoção do procedimento da audiência pública sempre que seja esse o melhor meio para realizar essa fiscalização, isto aferido em critérios técnicos e não políticos, como forma de melhor preservar o interesse público e os interesses dos cidadãos. Nesse caso, o Poder Público estaria obrigado a adotar a audiência pública. Finalmente, o art. 37, p. 3o, da CF, acrescentado pela emenda 19, previu regulamentação, por lei, da participação dos usuários na administração pública, inclusive quanto às reclamações e ao exercício negligente ou abusivo da função pública. A Emenda 19 fez quatro anos e a lei não foi editada. Parece que aí estaria a oportunidade para o legislador criar na lei federal a previsão genérica para a realização das audiências públicas como forma de participação da sociedade na decisão sobre políticas públicas, fiscalização, etc. G) Vantagens da audiência pública Entre as vantagens do procedimento da audiência pública, o professor Diogo Moreira Neto anota algumas consideradas mais significativas: evidencia a intenção do administrador de produzir a melhor decisão; galvaniza o consenso em reforço da decisão que for adotada; demonstra o cuidado com a transparência dos processos administrativos; e renova o diálogo entre os agentes políticos e seus eleitores. Agustín Gordillo anota como vantagens a garantia objetiva de razoabilidade para o administrado; é mecanismo idôneo de formação de consenso da opinião pública a respeito da juridicidade e da conveniência da atuação da Administração; é garantia objetiva de transparência dos procedimentos estatais, uma transparência que é exigida pela Convenção Interamericana contra a Corrupção - pois a luz do sol é o melhor desinfetante e a melhor polícia; é elemento de democratização do poder e modo de participação cidadã no poder público. Assim, diz o autor, o fundamento da audiência pública é duplo: serve de um lado, ao interesse público para que não se produzam atos ilegítimos; ao interesse dos particulares de poder influenciar com seus argumentos e provas antes da tomada de uma decisão importante e, ainda, serve para diminuir o risco de erros de fato e de direito para as autoridades públicas, com conseqüente eficácia de suas ações e consenso que podem conseguir na comunidade. IV. CONCLUSÃO A audiência pública é um direito de participação que integra a democracia chamada de direito de quarta geração, junto com os direitos individuais, sociais e de fraternidade, todos integrantes da categoria de direitos humanos, conforme as teses da doutrina moderna sobre o tema. Apesar dessa constatação e embora a democracia seja a forma de governo de maior expansão no mundo nos últimos séculos, especialmente na América Latina, e em que pesem os avanços nas legislações, o que se percebe é que os direitos de participação das comunidades não acompanharam o mesmo ritmo da ampliação das democracias.Nos países latino-americanos, a constatação é de que o discurso de participação popular é contundente, mas a prática, nula. Mesmo em países desenvolvidos nota-se o descuido dos governantes para com a opinião de seus governados acerca da administração pública. A audiência pública mostra-se um mecanismo eficiente na busca do aperfeiçoamento dos mecanismos de definição das prioridades de investimentos estatais nas chamadas políticas públicas, uma das atribuições dos governantes que maiores criticas tem gerado nos últimos tempos. É uma técnica que integra a classe dos institutos univalentes de participação, conforme a conclusão esboçada neste trabalho do professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, já que se destina à avaliação de atividades específicas a serem desenvolvidas ou em desenvolvimento pelo poder público, diferentemente das técnicas polivalentes, as quais se prestam à consulta de temas genéricos da administração pública. O procedimento deve obedecer uma série de princípios, nos moldes dos processos administrativo e judicial, de modo a facilitar a amplitude do procedimento em relação às partes e às provas. No Brasil, o instituto da audiência pública não tem previsão genérica na Lei Maior, como é o caso da Constituição argentina, da legislação americana, entre outros países. Alguns dispositivos da Carta brasileira contemplam a possibilidade de audiência pública. A legislação infraconstitucional prevê poucos casos em que ela deve ser aplicada, e vários outros em que é um mecanismo a ser usado conforme decisão da autoridade, neste caso, de forma discricionária. A oportunidade para o legislador brasileiro incluir o direito de audiências públicas de forma genérica na legislação ordinária parece ser na edição de lei complementar ao art. 37, parágrafo 3o. da Constituição, acrescentado pela Emenda Constitucional no. 19, que trata da participação dos usuários na administração pública, a qual deverá prever, inclusive, as formas de reclamação acerca de atos abusivos e de excesso de poder, praticados pela Administração. V. BIBLIOGRAFIA ARGENTINA. Constitucion de la Nación Argentina. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1995. BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova - Revista de cultura e política.São Paulo: Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, 1994, no. 33. BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social.6. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1996. CAETANO, Marcelo. Princípios fundamentais do direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1989. DROMI, Roberto. Derecho administrativo. 5. ed. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1996. GARCÍA DE ENTERRIA, Eduardo, e FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso de direito Administrativo. Tradução de Arnaldo Setti. São Paulo: Revista os Tribunais, 1990. GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. 3. ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 1998, T. II. KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e mitos do desenvolvimento social. Trad. de Sandra Trabucco Valenzuela e Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2001. KOMPARATO, Fábio Konder. 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