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26 de Abril de 2024
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    Entrevista: "CNJ não vai titubear em fazer valer sua decisão"

    há 18 anos

    A Resolução nº 07 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que proíbe por parte dos Tribunais estaduais e federais de todo o País a contratação de parentes como cargo comissionado, deve ser cumprida pelos presidentes do Judiciário até o próximo dia 12 de fevereiro. Caso contrário, eles serão responsabilizados pessoalmente e podem, até, ser alvo de processo disciplinar e, até por improbidade administrativa. A informação foi dada pelo advogado Paulo Lôbo, representante alagoano no CNJ, em entrevista exclusiva ao jornal Tribuna de Alagoas (AL). Segundo ele, os Tribunais de todo o país deverão seguir a resolução antinepotismo até por uma "cultura de hierarquia" existente no Judiciário, "de se respeitar a instância superior". Para os que pensarem em descumprir a norma, ele avisa: "O CNJ não vai titubear em fazer valer a autoridade de sua decisão". Nesta entrevista, Paulo Lôbo, que já integrou o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por 11 anos, também falou sobre particularidades da resolução, que podem manter ainda muitos parentes no cargo, criticou a possibilidade do nepotismo cruzado (a nomeação de parentes exonerados por outros poderes e vice-versa) e contou o que o CNJ vem discutindo para combater a corrupção entre os magistrados. P - Está havendo maior esforço para cumprir ou não cumprir a resolução antinepotismo? R - Estamos recebendo informações ainda parciais das providências que os tribunais estão tomando. Até onde eu sei, todos os tribunais estão adotando as providências para o cumprimento até o final do prazo. Há muitos questionamentos. P - Parece que algumas entidades entraram com ações no Supremo Tribunal Federal para questionar a constitucionalidade da resolução. R - Pelo contrário. Houve foi uma Ação Declaratória de Constitucionalidade, movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que é favorável à medida que o Conselho tomou. A AMB tomou essa iniciativa com a intenção de obter, do STF, o reconhecimento da constitucionalidade da medida. P - Mas há entidades que contestam a constitucionalidade da medida.. R - O argumento que tem sido utilizado é que o Conselho teria legislado e que o fundamento do Conselho não é esse. Mas o Conselho não legislou: apenas regulamentou o artigo 37 da Constituição Federal, que é auto-aplicável e, portanto, seu cumprimento independe de lei. A resolução do Conselho simplesmente estabelece a regulamentação da norma legal, no âmbito do Poder Judiciário. P - Então não cria uma lei? R - Essa especificidade dada pelo Conselho não cria nada de novo. Esse é o ponto fundamental. Foi nossa convicção quando aprovamos essa medida. Agora é claro que, no sistema brasileiro, quem dá a última palavra é o STF. O próprio CNJ não está acima do Supremo. E essa medida passa também pelo crivo da qualificação de constitucionalidade ou não que o STF faz. Por isso vejo com muita simpatia essa iniciativa da AMB. Espero que o Supremo reafirme a constitucionalidade da decisão. Outras ações ingressadas no Supremo acerca da resolução não foram acolhidas. P - Não foram? R - Não. Inclusive a de uma Associação dos Magistrados Estaduais. O STF entendeu que essa associação é ilegítima para promover qualquer ação no Supremo. Os ministros do STF nem tomaram conhecimento da ação. Aconteceu isso também com mandados de segurança impetrados lá, porque não houve ato que possa se qualificar como ato de autoridade por parte do Supremo que merecesse um mandado de segurança. É bom que se diga que as decisões para cumprir a resolução são tomadas pelos presidentes dos tribunais. O Conselho determinou que os presidentes promovam o levantamento e exonerem os ocupantes desses cargos comissionados, quando se constatar que há realmente o grau de parentesco até o terceiro grau. P - A resolução também prevê o impedimento na contratação de empresas terceirizadas que contenham parentes. O presidente do TJ de Alagoas, em recente entrevista, citou uma hipótese: se o parente de algum juiz trabalhar na Telemar, o Judiciário alagoano pode ficar sem telefone. Isso pode acontecer? R - Essas dúvidas existem. O CNJ recebeu uma quantidade muito grande de consultas encaminhadas pelos tribunais. O presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, por exemplo, me informou que está encaminhando uma consulta. Ele tem uma dúvida também sobre a aplicação da norma e deverá estar encaminhando essa dúvida porque teremos uma reunião do Conselho no próximo dia 31 de janeiro. P - Ele já adiantou sobre o que seria essa dúvida? R - É com relação se a medida atingiria aqueles servidores que foram nomeados há mais de cinco anos. Mas há uma quantidade muito grande de dúvidas. O CNJ, respondendo a algumas dessas consultas, já entendeu, por exemplo, que, caso o magistrado já esteja aposentado até o dia 12 de fevereiro, não haverá impedimento para que os parentes fiquem. O magistrado, ao se aposentar, deixa de ser autoridade pública. P - Um fato que se observa muito no Judiciário alagoano: o juiz ou serventuário é encaminhado para o interior, logo que é nomeado. Um ano depois, ou menos, essa pessoa é transferida para a capital. Geralmente, há um parentesco dessa pessoa com autoridades do Judiciário. A resolução antinepotismo observa isso também? R - Isso é outra coisa. Esses privilégios de remoção o Conselho também já regulamentou. É a remoção por merecimento. O juiz se remove de uma comarca para outra por antigüidade ou por merecimento. No caso do merecimento, é o tribunal quem define. Isso estava ocorrendo no Brasil há muitos anos: juízes parentes de desembargadores, por exemplo, eram beneficiados em prejuízo dos demais. O Conselho regulamentou determinando que todas as promoções por merecimento e as remoções de uma comarca para outra sejam feitas a partir de critérios objetivos, em decisão do tribunal motivada e em sessão aberta. Não pode ser sessão secreta e nem haver a escolha sem dizer porque. E tem que observar os critérios definidos e divulgados previamente pelo tribunal. P - Que critérios seriam esses? R - O próprio tribunal tem que definir. De qualquer forma, a Constituição já estabeleceu essencialmente os critérios de produtividade e presteza. Ou seja, um juiz que represe processos, retarde decisões, não pode ser nem promovido nem removido por merecimento. Mas, de que modo esses critérios são definidos e o que significa produtividade e presteza cada tribunal é que tem a competência e a autonomia para fazê-lo. P - Voltando à resolução antinepotismo: se o Tribunal não cumprir a norma até 12 de fevereiro, o que acontece? R - Não estamos contando com essa expectativa. Até mesmo aqueles tribunais nos quais houve manifestações de maior resistência temos conhecimento de que, em todos, os levantamentos estão sendo efetuados. Pode haver discordância da resolução, mas os tribunais terão que cumprir. Até porque, dentro do Poder Judiciário, há uma cultura de hierarquia, de cumprimento das determinações superiores. E o Conselho é o órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional, seja ele estadual ou federal, no que concerne à área administrativa e financeira. Se algum presidente de tribunal não der cumprimento à resolução, será pessoalmente responsabilizado. P - O que isso significa? R - Ele será incurso nas penas legais, vai responder disciplinarmente e também por improbidade administrativa, se não atender à resolução. O CNJ está muito consciente e os presidentes dos tribunais sabem disso: o Conselho não vai titubear em fazer valer a autoridade de sua decisão. O Conselho regulamentou no limite do possível. Por isso, muitas situações ainda permanecem. Muitos parentes continuarão porque o Conselho não quis e nem poderia ir além do que se poderia considerar matéria regulamentar. Por exemplo, muita gente tem questionado porque o Conselho não regulamentou o nepotismo cruzado com os outros poderes. P - Já surgiu a informação de que o Ministério Público e o Tribunal de Justiça de Alagoas estariam aderindo à prática. R - O Conselho não pode regulamentar isso porque estaria legislando, invadindo o campo que a Constituição estabeleceu, que é zelar pelos princípios contidos no artigo 37 no campo do Judiciário. Portanto, o Conselho não poderia dizer que o Ministério Público, ou o Legislativo, ou o Executivo não deve admitir parentes que sejam exonerados do Poder Judiciário. O Conselho não tem competência para tal. P - Então o nepotismo cruzado pode acontecer? R - Fora do Judiciário, não dentro. Vamos supor a seguinte hipótese: o parente de um juiz estadual é exonerado, mas é nomeado no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e vice versa. Isso não pode acontecer. Vale para qualquer âmbito do Judiciário brasileiro. No meu entendimento, essa atitude de preservar o parente, se utilizando do prestígio que desfruta como autoridade pública, fere igualmente o princípio da imoralidade e da impessoalidade P - Apesar de ser legal é imoral o nepotismo cruzado entre poderes distintos? R - Não. A meu modo de ver, é ilegal também porque fere a Constituição, a norma legal. Quando a Constituição diz que nenhuma autoridade pública pode agir ferindo a moralidade administrativa é uma norma legal. Deixa de ser uma norma de natureza puramente moral e passa a ser uma norma legal. O que deve se saber é o seguinte: será uma conduta moral a autoridades valer-se do prestígio do cargo para beneficiar parentes, seja em que situação for? Se essa conduta for tida pela consciência jurídica como absolutamente de acordo com a moralidade administrativa, então não há nenhum problema. P - E então? R - Mas é evidente que a consciência jurídica, e não só dos que fazem o Direito mas da comunidade em geral, não aceita que a autoridade se valha do prestígio do cargo para beneficiar parente. Por essa razão, entendo que, além de ferir a moralidade no sentido amplo do termo, essa prática fere a norma legal, que impõe o cumprimento dessa conduta. P - Legalmente, nada impede, de imediato, que essa prática aconteça. R - Há impedimento legal, no meu modo de ver. Isso pode inclusive ser questionado em juízo, para que a Justiça se manifeste à respeito da moralidade administrativa daquele ato da autoridade, por exemplo, do Ministério Público, da Assembléia Legislativa ou do Poder Executivo, que abrigou um parente de um magistrado que foi exonerado do seu cargo. Claro que não está se impedindo nenhum parente de magistrado de ser nomeado para qualquer cargo desses órgãos, senão eles estariam impedidos de assumir cargos comissionados na administração pública só pelo fato de ser parente. A questão é quando ele for nomeado em virtude de ter sido exonerado de um cargo porque ficou caracterizado o nepotismo. Aí se caracterizaria, evidente, uma lesão à moralidade administrativa. P - Além do nepotismo, outras questões rondam o Judiciário. Uma das mais graves seria a corrupção. Denúncias a esse respeito já chegaram ao CNJ? R - São centenas de representações. De juiz substituto até ministro do STF. Na verdade, o CNJ chegou à conclusão de que, no que concerne a juízes de segundo grau em diante, de desembargador para cima, as corregedorias dos tribunais não funcionam. É muito difícil. É da natureza humana, porque se aquela pessoa vier a ser punida, torna-se um desafeto, o ambiente de trabalho fica difícil. Por essa razão é que corregedorias dos tribunais no Brasil, de maneira geral, falharam na sua missão, com relação aos juízes de segundo grau em diante. O CNJ decidiu que vai apreciar todos esses casos diretamente. Agora, temos 13.500 juízes no Brasil. É humanamente impossível para o CNJ apreciar todos os casos de reclamações disciplinares. P - Há muitos casos de magistrados alagoanos denunciados ao Conselho? R - Há casos, mas não são muitos. Ao todo são seis. Essa questão da área disciplinar é uma das funções do Conselho. Mas o CNJ está fazendo um trabalho concorrente com as corregedorias dos tribunais. Por outro lado, até 11 de fevereiro, o CNJ está recebendo sugestões para a criação das Ouvidorias de Justiça dos Estados. Essa ouvidoria, que será composta por juízes designados pelo Conselho e representantes da sociedade civil, vai ter como incumbência receber reclamações, queixas da população com relação ao desempenho do Judiciário, que serão apuradas e encaminhadas para o CNJ. Estou muito esperançoso. Desde o começo, no Conselho, sou um dos que mais se batem pela criação das Ouvidorias de Justiça, que estão previstas na emenda 45 da reforma do Judiciário. P - Mas não estão instaladas? R - Até agora não foram instaladas. Mas o CNJ já elaborou um projeto de resolução e está recolhendo sugestões. Hoje o cidadão não sabe a quem reclamar e tem até receio, medo. Essas ouvidorias servirão até para o Conselho conseguir chegar a certas situações que se sabe, mas as denúncias não chegam, como por exemplo é o caso dessa vergonhosa prática de alianças entre juízes e advogados para o favorecimento de clientes de determinadas bancas de advocacia, facilitando o tráfico de influência. Isso, infelizmente, existe no Brasil. Mas, até agora, não há denúncias concretas. Não se pode ficar apenas no ouvi dizer. P - O CNJ não recebeu nenhuma denúncia concreta sobre essas alianças? R - Não. Sabe-se, inclusive, de situações desse tipo perante o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ), de favorecimento, de tráfico de influências. Dessas coisas sabe-se, ouve se. Mas ainda não há nada concreto. E disso se houve em relação aos tribunais em geral. Um advogado de origem como a minha não pode conceber que advogado seja lobista. Advogado não é lobista, é defensor do cliente. Ele tem que chegar ao Poder Judiciário defendendo o direito do seu cliente. Mas não se pode utilizar tráfico de influência, criar favorecimentos com magistrados. Isso é, tipicamente, corrupção. Pode ser que, com as ouvidorias, esses fatos venham a ser efetivamente denunciados. (José Árabes)

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