No Supremo, Joaquim Barbosa briga com Eros Grau por causa de HC
Brasília (DF) A luta do bem contra o mal do delegado Protógenes Queiroz chegou ao Supremo Tribunal Federal. Preocupado com a opinião pública, o ministro Joaquim Barbosa censurou seu colega Eros Grau por ter libertado Humberto Braz, braço direito do banqueiro Daniel Dantas. Como é que você solta um cidadão que apareceu no Jornal Nacional oferecendo suborno, perguntou Joaquim.
Eros respondeu que não havia julgado a ação penal, mas se havia fundamento para manter prisão preventiva. Joaquim retrucou dizendo que a decisão foi contra o povo brasileiro. Em outro round, depois que Joaquim Barbosa mais conhecido em Brasília como JB deu Habeas Corpus para garantir a Daniel Dantas o direito de não se auto-incriminar em uma Comissão Parlamentar de Inquérito, Eros, em tom de gozação, comentou que esse HC repercutira mais que o dele. JB enfureceu-se.
A partir daí, o exercício de pancadaria verbal foi longe. Joaquim só não agrediu Eros porque foi contido. Ele chamou o colega de velho caquético, colocou sua competência em questão, disse que ele escreve mal e tem a cara-de-pau de querer entrar na Academia Brasileira de Letras. Eros retrucou lembrando decisões constrangedoras de JB que a Corte teve de corrigir e que ele nem encontrava mais clima entre os colegas. O clima azedou a ponto de se resgatar o desconfortável boletim de ocorrência feito pela então mulher de JB, tempos atrás: Para quem batia na mulher, não seria nada estranho que batesse em um velho também, afirmou-se.
Depois da encrenca, Joaquim Barbosa não voltou ao tribunal. O primeiro assalto teve lugar no Tribunal Superior Eleitoral, onde ele divide a bancada com Eros Grau. Foi na terça-feira (12/8). O segundo round foi na hora do intervalo para o lanche, no STF. Os dois começaram a discutir à distância, em voz baixa. Em pouco tempo, estavam aos berros o que permitiu que os advogados no Salão Branco acompanhassem o embate. JB foi embora e não participou do resto da sessão. Tampouco voltou no dia seguinte. A justificativa foi a de que o ministro estaria com a pressão alta.
Populismo judicial O pano de fundo do conflito, contudo, é o mesmo que embalou a discussão das fichas sujas, dos grampos, das algemas e dos HCs de Gilmar Mendes a Daniel Dantas.
De um lado, com grande sucesso de público, está a tese de que é necessário adotar atalhos para combater a corrupção. Nessa linha de raciocínio, haveria direito de defesa e impunidade em excesso. Exigências, como motivo sólido para prisão provisória, para grampear ou quebrar sigilos, por exemplo, seriam meros pretextos para manter bandidos ricos longe das grades. É a doutrina do palmômetro.
Do outro lado do ringue, está o movimento consistente do STF no sentido de expandir as garantias individuais e os direitos fundamentais das pessoas. Não faz sucesso algum. Decisões nesse campo são entendidas como formalidades burocráticas e revoltantes.
Assim que o ministro Gilmar Mendes concedeu Habeas Corpus a Daniel Dantas, Joaquim Barbosa não omitiu sua opinião: Como cidadão, o sentimento que eu tenho é muito parecido com o da grande maioria dos cidadãos brasileiros, afirmou ele à Agência Brasil. Mas ressalvou que, como ministro, pode agir diferente.
O herói do povo brasileiro Nem sempre. O tribunal já teve de interferir em matéria que estava em suas mãos para garantir o direito de um cidadão que aguardava por quatro anos uma decisão dele, em pedido de Habeas Corpus. Em outra ocasião, quando o empresário Edemar Cid Ferreira fora preso ilegalmente pelo juiz Fausto De Sanctis, JB tentou manter o indeferimento do pedido depois atendido pelo tribunal. O ministro não se conteve e investiu contra seus colegas, dizendo que "isso depõe contra o tribunal" que, segundo ele, estava decidindo "de acordo com a qualidade das partes". Imediatamente e enfático, o decano Celso de Mello rebateu a crítica com exemplos da semana que o desmentiam, no que foi seguido também por Cezar Peluso no mesmo sentido.
O idealismo de JB lembra o espírito macunaímico, comenta, a propósito do assunto, um observador bem posicionado no STF, ao celebrar os 80 anos da obra de Mário de Andrade. Macunaíma, consagrado como o herói do povo brasileiro, ao fim de sua epopéia, transforma-se em uma constelação.
Reincidência Não foi a primeira vez que Joaquim Barbosa discutiu com um colega. No julgamento de uma lei mineira, considerada inconstitucional pelo Supremo, o ministro começou uma discussão exaltada com o colega Gilmar Mendes. O pleno declarara inconstitucional a lei de aposentadoria mineira que existia há quase 20 anos. Como muitos beneficiados haviam morrido ou já estavam aposentados, Gilmar propôs a modulação dos efeitos da inconstitucionalidade. JB não entendeu e partiu para o confronto.
Ele reclamou que não foi consultado sobre a questão de ordem e afirmou que não concordava com a proposta feita por Gilmar Mendes. Ministro Gilmar, me perdoe a palavra, mas isso é jeitinho. Nós temos que acabar com isso, disse Joaquim Barbosa. Gilmar Mendes retrucou: Eu não vou responder a vossa excelência. Vossa excelência não pode pensar que pode dar lição de moral aqui. O ministro Março Aurélio concordou com o relator. A discussão foi interrompida com um pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski.
Em dois outros episódios, acusou o ministro Março Aurélio de fraude na distribuição de processos e imputou tráfico de influência ao ministro aposentado Maurício Corrêa.
No conflito com Março Aurélio, o caso envolvia um pedido de habeas corpus distribuído no início da noite de uma sexta-feira. Barbosa era o relator e Sepúlveda Pertence o decano. Os dois gabinetes informaram que seus titulares haviam viajado. Ao receber o recurso, Março Aurélio pediu à Secretaria do Supremo que certificasse a ausência dos colegas a quem caberia a distribuição, por preferência. Os funcionários dos respectivos gabinetes atestaram, por escrito, que os ministros não estavam em Brasília. Na semana seguinte, Joaquim atacou o colega afirmando que estava na Capital. Março Aurélio representou contra Joaquim à Presidência da Corte. Mas Nelson Jobim, então na direção da Casa, decidiu colocar panos quentes no caso, declarando apenas que não houvera irregularidade na distribuição.
Em relação a Maurício Corrêa, que hoje atua como advogado em Brasília, Joaquim Barbosa estranhou que ele o procurara antes para falar do processo e, no dia do julgamento, um outro advogado comparecera para a sustentação oral. Ao microfone, Barbosa fez a acusação de tráfico de influência do ex-colega. Informado da imputação, Corrêa foi ao plenário. Nas mãos, tinha a cópia da procuração também presente nos autos confirmando que ele atuava no processo. Corrêa interpelou Joaquim Barbosa judicialmente, a quem só restou retratar-se.
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