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    SUPREMACIA CONSTITUCIONAL

    há 21 anos

    Izidoro Oliveira Paniago Bacharel em Direito - ipaniago@terra.com.br 1.1. Constituição (conceito e evolução). Para que possamos melhor expor o tema sobre o qual nos coube dissertar nesta Semana Jurídica - Aems (outubro/2000), qual seja, "Supremacia Constitucional", é de bom alvedrio que se fixe previamente o conceito de Constituição, tanto sob o aspecto material, quanto sob o formal, notadamente este último, vez que interessa mais de perto ao tema deste estudo. O vocábulo constituição significa a composição de determinada coisa, sua organização, enfim, o modo pelo qual se constitui. Assim, todo Estado tem constituição, afinal, composto, organizado, constituído de determinada maneira particular. Esta definição corresponde à acepção material de constituição segundo consenso estabelecido pela doutrina. Interessa, contudo, mais de perto a este trabalho, ao menos neste momento, o estudo da constituição no seu sentido formal, pois é neste sentido que ela ganha destacado interesse jurídico para os alicerces de nossa tese. Constituição em sentido formal "... é um conjunto de normas e princípios contidos num documento solene estabelecido pelo poder constituinte e somente modificável por processos especiais previstos no seu próprio texto." (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3.ed. São Paulo, SP: Malheiros, 1999. p. 40). Assim, o que caracteriza a Constituição sob o aspecto formal é o estabelecimento solene de normas e princípios pelo poder constituinte (legítimo) em um documento rígido que impõe restrições relevantes à sua própria modificação limitando assim a atuação dos poderes estatais constituídos. As constituições, entendidas neste sentido, surgem com o triunfo do movimento liberalista do século XVIII de que foram expoentes a Constituição Americana de 1787 e a revolução francesa e que rompeu com o modelo de Estado absolutista introduzindo o chamado Estado Liberal ou de Direito, caracterizado pela restrição formal ao exercício do poder através da submissão do próprio Estado às leis, fixação de direitos individuais e separação dos poderes. (vide: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo-SP: Malheiros, 2000, p. 200-201). Nem poderia ser diferente, afinal ao tempo do absolutismo o poder se fundava na autoridade absoluta e arbitrária do soberano que não tinha qualquer limitação em relação ao seu exercício nem mesmo frente aos direitos individuais dos cidadãos, pelo que não havia que se falar em constituição em sua acepção formal. Deste modo, o surgimento das constituições sob o aspecto formal está ligado à evolução do próprio Estado. O Estado nasceu da necessidade de organização dos grupos sociais de modo a possibilitar o convívio harmônico de seus integrantes. Logo, de início, destacava-se a função apaziguadora dos conflitos individuais como obra precípua do poder estatal, que eliminando a autotutela obrigou os cidadãos a buscarem junto a ele a defesa de seus direitos individuais. Ocorre que a experiência demonstrou que para a defesa dos direitos individuais não bastava a submissão dos súditos aos ditames do Estado, notadamente quando, alhures, este se personificava na própria figura do soberano cujo poder era ilimitado. Com efeito, indispensável à prosperidade dos direitos individuais, ao efetivo reconhecimento dos mesmos, era também a limitação do próprio poder através da submissão estatal aos ditames da lei, sob pena do cidadão ficar indefeso toda vez que o próprio Estado fosse o agressor de seus direitos. Outrossim, evidente que de nada adiantaria a submissão do Estado à lei se um único governante enfeixasse em suas mãos todas as funções estatais, posto que a lei, neste caso, seria mero fruto de sua obra, como já anunciava Montesquie (ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e outra. Filosofando introdução à filosofia, 2.ed. moderna, ---- p. 223). É justamente neste passo, quando prosperam os ideais liberalistas do século XVIII impondo ao Estado (seus governantes) limitações formais e rígidas à sua atuação através da separação do poderes, da submissão à lei e da fixação dos direitos individuais, que nasce a Constituição em sua acepção formal. (vide: FRIEDE, R. Lições objetivas de direito constitucional e de teoria geral do Estado: para concursos públicos e universitários. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 40). Tamanha a consciência dos revolucionários franceses a este respeito que estes prescreveram no Art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: "Toda sociedade onde não está assegurada a garantia dos direitos, nem determinada separação dos Poderes, não tem constituição". Destarte, não há como falar de constituição antes da submissão do poder estatal aos ditames da lei, instituída com a liberalismo burguês, como forma de assegurar direitos individuais. Aliás, uma das principais heranças que o liberalismo deixou ao Direito Constitucional foi a consagração do prestígio das constituições formais (escritas) sobre as consuetudinárias como instrumento de limitação do Poder Estatal. Sucede que o estabelecimento do Estado Liberal corresponde a primeira fase de evolução do direito constitucional e, embora representasse progresso significativo em relação ao Estado Absolutista, trouxe conquistas que representavam mais de perto os anseios de um ramo específico da sociedade, a burguesia, colaborando para os interesses das demais classes sociais na maioria das vezes somente na medida em que interessasse àquela. Após essa submissão inicial (caracterizadora da evolução do Estado absolutista para o de Direito), movimentos socialistas do século XX aos poucos promovem a formação de um novo modelo de Estado com ideologias tendentes a abolir os privilégios de classes e que passa a buscar os ideais democráticos, que, por sua vez, acabaram conduzindo à submissão do Estado não apenas à lei (por vezes despida de legitimidade), mas à vontade popular de cujo poder é representante. Com esta submissão é que surge efetivamente uma organização jurídica do Estado fruto da obra do poder constituinte, entendido este, na sua acepção contemporânea, qual seja, "... a expressão da suprema vontade política de um povo, política, social e juridicamente organizado." (FRIEDE, R. Lições objetivas de direito constitucional e de teoria geral do Estado: para concursos públicos e universitários. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 79). Surge assim o chamado Estado Democrático de Direito, o qual se subordina não apenas à lei em sua acepção ampla (como ocorria no Estado de Direito), mas se subordina ainda à vontade popular que lhe outorga e legitima o exercício do poder. Desta sorte, atualmente a constituição, em seu sentido formal: conjunto de normas e princípios cogentes expressão do poder constituinte legítimo constantes de um documento solene que, não apenas institui e organiza o Estado, mas impõe limitações rígidas ao exercício do poder em benefício dos interesses coletivos e dos direitos individuais, notadamente os fundamentais, é o próprio fundamento do estado democrático de direito. 1.2 Do desenvolvimento da supremacia das normas constitucionais Problema que até os dias atuais ainda oferece dificuldades, embora já não nas dimensões de outrora, é o reconhecimento da natureza não apenas jurídica, mas superior das normas constitucionais. Hodiernamente é quase que ponto pacífico entre os povos civilizados que as normas constitucionais pertencem ao ius cogens na clássica classificação das normas em imperativas (obrigatórias e indeclináveis tanto para os governantes quanto para os governados) e dispositivas (aplicável somente no silêncio dos destinatários). Ainda assim há doutrina contemporânea que negue a natureza jurídica de certas normas constitucionais, notadamente as denominadas programáticas tais como as do Art. 215 e seus parágrafos da Constituição Federal de 1988, o qual teria, para esta doutrina minoritária, valor político ou ético, sem nenhum valor jurídico. Adverte a majoritária doutrina, contudo, que tais pensadores incorrem nesta impropriedade devido a uma distinção radicalíssima entre normas materialmente e formalmente constitucionais (como se a rigidez constitucional não açambarcasse todo o texto da constituição), bem como a uma interpretação equivocada da imperatividade das normas constitucionais. De qualquer sorte, amplamente discutida a questão na doutrina italiana concluiu-se pela normatividade de todas as normas constitucionais, mesmo aquelas que possam, em exame apressado, parecer despidas de desta qualidade. (vide: SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3.ed. São Paulo, SP: Malheiros, 1999. p. 44-47). Passo seguinte ao reconhecimento da natureza jurídica das normas constitucionais foi a fixação da supremacia das mesmas sobre as demais normas, eis que oriundas de um poder constituinte (legítimo e soberano), enquanto que estas de um poder derivado, constituído segundo os ditames daquele expressos na Constituição que lhes emprestam fundamento de validade. Atualmente a natureza jurídica superior das normas constitucionais é praticamente um consenso entre os constitucionalistas de maior idoneidade, só sendo debatida, negada, enfim, repelida, por aqueles que buscam através da desvalorização jurídica da Constituição, bem como da sua imperatividade fazer prosperar arbitrariedades, ilegalidades e privilégios incompatíveis com os princípios e anseios democráticos. Tal estágio de desenvolvimento, contudo, não foi rápido feito poderia se imaginar pelo que até agora foi dissertado. O reconhecimento da natureza jurídica superior das normas constitucionais está ligado à evolução do próprio direito constitucional, tendo sido estabelecido aos poucos já após o liberalismo, ganhando força maior a partir do século XIX. "Este asunto realmente no es nuevo, lo triste es que suele ser desconocido. Vinculado a él está la evolución histórica que aconteció en el derecho Constitucional, primero la Constitución fue comprendida como un documento político en los Siglos XVI, XVII y XVIII, luego como norma jurídica, con fuerza normativa superior, de carácter vinculante y de aplicación e envocación directa; comprensión desarrollada a partir del Siglo XIX y consagrada definitivamente en este Siglo después de la Segunda Guerra Mundial, con la instauración del constitucionalismo social."(CASTELLANOS, Angel Rafael Mariño. La constituição como norma jurídica. Causas y efectos de la fuerza normativa superior de la constituição. In: Seminário de celebração do X aniversário da Constituição Federal de 1988, Unirp. Rio Preto, SP. p. 04). A compreensão inicial das normas constitucionais como documento político é própria da primeira etapa da evolução do constitucionalismo, a qual corresponde ao implemento das reflexões racionalistas acerca de um modelo lógico de organização política da sociedade em reação ao absolutismo até então vigente, reação esta caracterizadora do surgimento do Estado Liberal ou de Direito. Naquele momento histórico do direito constitucional imperava nas constituições um acentuado teor político-filosófico-revolucionário decorrente dos anseios dos movimentos liberalistas do século XVIII, pelo que ainda não estava nítido o caráter jurídico das normas constitucionais, o qual seria reconhecido somente mais tarde com o triunfo do liberalismo. (vide BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo-SP: Malheiros, 2000, p. 201e 202). Com efeito, passado o furor revolucionário e instaurado o Estado liberal aos poucos o conceito político-filosófico até então predominante nas constituições, notadamente nas suas declarações de direitos, foi dando espaço para o conceito jurídico e o conseqüente reconhecimento do caráter normativo imperativo das normas constitucionais. Consolidado o Estado liberal foi estabelecida através da doutrina e da jurisprudência a natureza jurídico-imperativa superior das normas constitucionais derivada da própria condição de expressão solene e rígida do poder constituinte originário, ficando evidente a superioridade hierárquica da constituição em relação às demais normas jurídicas fruto da atuação do legislativo, poder constituído, que, deste modo, deveriam obedecer aos postulados constitucionais. Com a prática, seguindo a evolução do direito constitucional a doutrina e a jurisprudência desenvolveu raciocínio lógico, fulcrado na supremacia da constituição, de que havendo incompatibilidade entre norma infraconstitucional com norma constitucional (inconstitucionalidade), aquela deve ceder a esta, sob pena de inocuidade das garantias constitucionais asseguradoras de direitos. Em conseqüência ficou nítida a necessidade de um controle de constitucionalidade das normas infraconstitucionais. Tal necessidade, só veio a demonstrar ainda mais a natureza jurídica superior das normas constitucionais. Embora não de modo explícito e ordenado, a Constituição Federal dos Estados Unidos de 1787 já demonstrava a preocupação em assegurar a supremacia de suas normas. Com efeito, os constituintes da Filadélfia demonstraram consciência da necessidade do estabelecimento de um método de controle que impusesse a conformação das normas infraconstitucionais à Constituição. O federalista Hamilton desenvolveu raciocínio que inequivocamente traduz tal consciência asseverando que "Por uma Constituição limitativa, eu entendo aquela que contém certas exceções específicas à autoridade legislativa, como por exemplo as de que não aprovarão bills of attainder nem leis ex post facto ou outras semelhantes. Tais limitações na prática somente poderão ser preservadas por via dos tribunais, cuja obrigação deve ser a de declarar nulos todos os atos contrários ao teor manifesto (manifest tenor) da Constituição. Sem isto todas as reservas de direitos particulares ou privilégios se reduziriam a nada". (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo-SP: Malheiros, 2000, p. 276). Se a Constituição Norte-amercana de 1787 não trouxe de modo explícito o reconhecimento da força normativa superior da Constituição e a conseqüente necessidade do controle de constitucionalidade, trouxe subsídios suficientes para que, através de uma sólida e impar argumentação, este fosse desenvolvido e aquela reconhecida pela jurisprudência de sua Suprema Corte. A decisão inaugural de tal jurisprudência foi proferida por Johns Marshall no caso Marbury versus Madison em 1803, a qual, segundo a doutrina, inaugurou, verdadeiramente, o controle da constitucionalidade das leis nos Estados Unidos e, pela sua propriedade, inspirou artigos e livros de políticos, juristas e doutrinadores norteamericanos e europeus, constituindo verdadeiro março da consolidação do caráter normativo superior das constituições. Conheçamos melhor o caso ensejador da célebre decisão. "Trata-se de assunto de pequena importância, com origem na recusa dos republicanos de Jefferson de empossar modestos juízes de paz nomeados pelos federalistas de Adams. ... Entre os prejudicados figuravam Marbury e os três companheiros que recorreram à Suprema Corte, ... pleiteando um writ of mandamus contra o secretário Madison, para empossá-los nos cargos. ... Entrando no exame do caso, Marshall invoca a inconstitucionalidade do art. 13 da lei de 1789, no qual se basearam os recorrentes, artigo esse que deferia à Suprema Corte a faculdade de expedir, diretamente, writ of mandamus, em desacordo com o art. III, Seção II, do texto constitucional, que lhe conferiu, em princípio, jurisdição de apelação, contemplando expressa e excepcionalmente os casos de jurisdição originária. Inicialmente, os interessados deveriam postular seu direito perante uma das Cortes de Distrito, para, em grau de recurso, se cabível, submeter o caso à apreciação da Suprema Corte. Lançado o princípio, Marshall realiza uma retirada estratégica, invocando a incompetência da Corte Suprema, para decidir o caso concreto." (in Direito Constitucional/Raul Machado Horta. - 2. ed. rev., atual. e ampl. - Belo Horizonte: Del Rey, 1999, pg. 137). A fundamentação jurídica do célebre juiz para afastar a competência da Suprema Corte tendo em vista a superioridade dos preceitos constitucionais foram, literalmente, do seguinte teor:"Os poderes do legislativo são definidos e limitados, sendo esta limitação a causa das constituições escritas. Se não fossem eles definidos e limitados, por que reduzi-los à forma escrita, se a cada passo poderiam estes poderes ser alterados por aqueles cuja competência se pretende restringir?" (vide BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo-SP: Malheiros, 2000, p. 276/277). O magistrado centrou sua argumentação em uma proposição extremamente importante, qual seja, ou a Constituição controla todo ato legislativo que a contrarie, ou o legislativo, por um ato ordinário, poderá modificá-la, esvaziando-lhe assim todo o sentido. Assim, Marshall deixa evidente que a Constituição deve ser encarada como lei superior e suprema que não pode ser alterada por vias ordinárias, ou então de nada adiantará os esforços nela empreendidos em busca da limitação do poder, já que este poderá modificá-la tal qual um preceito ordinário, ao seu bel prazer, restando, assim, ilimitado. Marshall ponderou ainda que um ato legislativo que fosse oposto à constituição é nulo de modo que não pode gerar efeitos, tampouco agasalhar pretensões junto aos tribunais, tal qual pretendiam os requerentes da ação onde foi prolatada a célebre decisão que veio a consagrar a supremacia da Constituição. Finalizando o juiz estabeleceu que cabia ao judiciário dizer o direito aplicável em casos que, como no apreciado, houvesse colisão de uma lei com a Constituição de modo a assegurar a supremacia desta. Foi através desta fundamentação de Marshall, de grande repercussão, que foi introduzido no Direito Constitucional o chamado judicial review consagrando definitivamente a supremacia formal e material da Constituição como norma jurídica de valor superior. Outra obra de importância capital no reconhecimento da natureza jurídica superior da Constituição foi a do positivista Hans Kelsen. O jurista vienense com formulações da teoria pura do Direito, desenvolveu a tese de que o ordenamento jurídico positivo constituía um sistema hierárquico similar a uma pirâmide em cujo ápice estaria a Constituição, acima da qual somente teríamos a "norma hipotética" fundamento de todo o sistema, de modo que a Constituição seria a lei fundamental do ordenamento jurídico nacional. Como própria conseqüência de seu entendimento em referência à Constituição (base do ordenamento jurídico), Kelsen estabeleceu a necessidade de controle negativo da legislação de modo a expurgar as normas contrárias à Constituição (inconstitucionais), e assegurar a coerência do sistema. A tese do positivista foi consagrada na Constituição austríaca de 1920 (de que Kelsen é considerado o próprio pai), onde se estabeleceu um controle de constitucionalidade em cujo centro está um Tribunal Constitucional, controle este que difundiu-se pela Europa se consagrando como modelo de controle de constitucionalidade. O sucesso do controle de constitucionalidade só veio corroborar com a consagração da natureza jurídica superior das normas constitucionais. Fixada a supremacia constitucional, passemos a uma análise mais cuidadosa dos mecanismos de defesa da constituição, dentre os quais o controle de constitucionalidade. 1.3 Mecanismos de defesa da constituição Reconhecida a supremacia das normas constitucionais os juristas passaram a enfrentar um problema que, aos poucos, foram solucionando, qual seja, o desenvolvimento de mecanismos hábeis a assegurar a desejada estabilidade do texto constitucional, bem como sua fiel observância, sem as quais não há que se falar de supremacia. Com essa preocupação as Constituições passaram a adotar medidas tendentes a garantir a efetiva supremacia constitucional. Ganharam destaque neste objetivo os mecanismos destinados a restringir e regular a reforma de seus textos, bem como a controlar a sujeição hierárquica dos atos normativos infraconstitucionais. Quanto à reforma, difundiu-se a criação, no próprio texto constitucional, de um poder reformador cuja atuação a Constituição mesma delimitasse. Em relação à verificação da compatibilidade das normas, criou-se o chamado controle de constitucionalidade o qual varia conforme o sistema, a forma e o meio pelo qual se desenvolve. Tratemos de ambos os mecanismos, o da reforma e o do controle de constitucionalidade, começando por aquele. Inicialmente com o reconhecimento da supremacia constitucional prosperou a idéia de imutabilidade absoluta das Constituições, idéia esta que a experiência demonstrou inadequada pela própria mutação da realidade social. Com efeito, passada a idéia inicial de inalterabilidade das Constituições, incompatível com a dinâmica social, estabeleceu-se o chamado poder reformador incumbido de promover as mudanças reclamadas pela evolução social. A atuação do poder reformador para a promoção de tais mudanças não pode evidentemente escapar dos limites exigidos pela evolução social em prejuízo do texto constitucional primitivo, sob pena de revelar-se mitigadora da rigidez constitucional de que é corolário a Supremacia da Constituição. Desta feita, todas as constituições rígidas adotam mecanismos que disciplinam e limitam a atuação do poder reformador. Aliás o conceito de rigidez constitucional está intimamente ligado à idéia de imutabilidade relativa das constituições. Assim, as constituições rígidas estabelecem em seus textos o órgão competente para a realização das mudanças de suas normas, bem como o procedimento a ser observado para implemento de tais modificações. Tais previsões constituem o que a doutrina costuma chamar limites processuais, os quais se referem à competência, iniciativa, quórum qualificado para aprovação e outros, todos objetivando tornar o processo de alteração do texto constitucional mais solene e difícil do que o processo legislativo ordinário atendendo deste modo à imutabilidade relativa dos textos constitucionais corolário das constituições rígidas. Além dos chamados limites processuais existem ainda, segundo noticia a doutrina nacional e estrangeira, outros comumente adotados para restringir a atuação do poder reformador, quais sejam, os limites temporais, circunstanciais e, por fim, os materiais. Os limites temporais constituem estipulações constantes do próprio texto constitucional segundo as quais a constituição só pode ser alterada após decorrido um lapso determinado de tempo após a sua entrada em vigor. Os limites circunstanciais, por sua vez, dizem respeito à limitações que vedam a alteração do texto constitucional na vigência de determinadas circunstâncias de anormalidade que prejudiquem a soberania, tais como ocupação do território nacional por invasores, estado de sítio etc. Quanto aos limites materiais, dizem respeito à vedação de mudanças que alterem princípios explícitos ou implícitos adotados pela constituição e que o constituinte originário erigiu à condição de fundamentais, razão pela qual não permite sejam alterados. Tais princípios em razão da pretendida imutabilidade constituem as chamadas cláusulas pétreas. Todas as limitações anunciadas constituem mecanismos de defesa das constituições, justificando-se pelo fato de que só o constituinte originário possui a natureza fundamental, legítima, soberana, incondicionada e ilimitada, de sorte que a Constituição só se sujeita a maiores mudanças quando veiculadas pelo próprio constituinte originário. O poder reformador não tem tal capacidade é poder derivado, constituído pelo originário que lhe traça os limites de atuação, para a promoção da reforma constitucional, a qual sujeita-se às limitações aludidas e pode se operar por dois métodos: emenda e revisão (vide: FRIEDE, R. Lições objetivas de direito constitucional e de teoria geral do Estado: para concursos públicos e universitários. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 101). A emenda é o processo ordinário de reforma da Constituição, desencadeado por quórum qualificado, de abrangência reduzida geralmente sobre ponto específico da constituição. Já a revisão é mecanismo extraordinário, previsto na própria constituição, geralmente com uma restrição temporal, em que se firma a possibilidade de revisão após certo tempo de vigência da Constituição e pode incidir sobre matéria de maior abrangência. Desta sorte, a limitação do poder reformador constitui mecanismo de defesa da supremacia constitucional. Esta, contudo, não seria assegurada caso, controlado o poder reformador, atuasse livremente o legislador ordinário. Com efeito, para que a supremacia da constituição prospere é indispensável que haja também compatibilidade vertical entre as normas do legislador ordinário e o prescrito na Constituição. É necessário que haja um controle de constitucionalidade das normas infraconstitucionais. O controle de constitucionalidade pode ser definido como o exame da adequação, conformidade, enfim, da subordinação das normas infraconstitucionais à constituição tanto sob o aspecto formal quanto sob o material com o objetivo de assegurar a supremacia desta negando eficácia aos preceitos que lhe contrariem, seja decretando-lhes a nulidade no caso concreto ou expurgando-os do ordenamento jurídico. (vide: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 392). O controle de constitucionalidade decorre necessariamente da rigidez e supremacia da constituição, da existência de escalonamento normativo em que esta ocupe o ápice, vinculando o comportamento do Estado e dos particulares em suas relações jurídicas e conferindo coerência a todo sistema normativo (vide: TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 41; BASTOS, --- p. 393). Com efeito, como já salientamos ao tratar da supremacia da constituição, o reconhecimento do valor jurídico superior das normas constitucionais evidenciou a necessidade de que se criassem mecanismos que repelissem as afrontas aos comandos constitucionais fazendo assim surgir o chamado controle de constitucionalidade. Ao exame deste controle expõem-se os aspectos tanto formais quanto materiais dos atos normativos, dando ensejo ao chamado controle formal e ao denominado controle material. Pelo controle formal, de índole estritamente jurídica, verifica-se se os atos normativos foram elaborados com observância dos procedimentos e pelos órgãos previstos na Constituição. Cinge-se, assim, à verificação da observância da competência e à tramitação constitucionalmente definidas, sem se perquerir sobre o conteúdo do ato normativo. Já o controle material é que se ocupa do conteúdo do ato normativo, da sua compatibilidade com as normas e princípios constitucionais que lhe emprestam fundamento. Problema relevante quanto ao controle de constitucionalidade é o referente à definição do órgão que será incumbido de realizá-lo. Inicialmente surge o controle político (fins do século XVIII) onde a atribuição de controle de constitucionalidade é confiada a um órgão de natureza política: o próprio Poder Legislativo com menos freqüência, ou, de forma mais freqüente, a um órgão desvinculado de quaisquer dos poderes do Estado (geralmente denominado Corte ou Senado Constitucional). Posteriormente, surge com a jurisprudência da Corte Suprema Norte-americana sob a direção de Marshall o controle judicial, ou, nos dizeres dos norte-americados, judicial review. A gênese deste sistema de controle foi a já comentada decisão proferida por Marshall no caso Marbury contra Madison (1803). Tal decisão consistiu no março inicial de uma sólida jurisprudência que iria se firmar naquela corte, à qual anuiria a doutrina dando-lhe assim sustentáculo definitivo, cujas bases podem ser resumidas em duas premissas substanciais: lei inconstitucional é nula e a ninguém obriga, muito menos ao judiciário; diante de conflito entre lei constitucional e lei ordinária cabe ao Poder Judiciário garantir a supremacia daquela. "Depois de invulgarmente defendida por Marshall, a doutrina do controle judicial da constitucionalidade das leis praticamente não sofreu sérias contestações, vindo a firmar-se nos Estados Unidos, donde se espraiou para os demais países da América, entre os quais o nosso." (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 397). Difundida a necessidade do controle de constitucionalidade, notadamente pelo triunfo do judicial review dos Estados Unidos, desenvolveram-se diferentes maneiras de seu exercício, dando assim ensejo a classificações diversas pela doutrina. Com efeito, a doutrina costuma classificar o controle de constitucionalidade conforme o sistema, a forma e os meios pelos quais se opera. A classificação do sistema diz respeito ao órgão a quem a constituição incumbe a realização do controle de constitucionalidade, dividindo-se em sistema político, sistema judicial e sistema misto. No sistema político o controle de constitucionalidade é exercido por órgão político correspondente a um poder supra-estatal, ocupante de posição superior no Estado, distinto dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (Como ocorre com o Tribunal Constitucional da Áustria), ou pelos poderes estatais estabelecidos: Executivo (através do veto presidencial) e Legislativo (através de comissões destinadas a verificarem, já na criação, a constitucionalidade das normas). Este tipo de sistema frutificou melhor na França onde teve como março inicial a Constituição do ano VIII a qual, inspirada em Sieyés, instituiu o Senado Conservador com a finalidade de decretar a inconstitucionalidades de atos legislativos. Os franceses em sua constituição de 1958, persistindo no sistema de controle político, criaram o conselho constitucional estabelecendo no art. 62 da Carta Magna que as decisões desse Conselho não eram recorríveis e que se impunha a todos os poderes públicos e a todas as autoridades administrativas e jurisdicionais. (vide: TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 42). Tal sistema, predominante entre os europeus, não logrou muito sucesso, notadamente quando o controle era exercido pelo Poder Legislativo, caso em que ficava evidentemente comprometido o exame de constitucionalidade dos atos emanados do próprio legislativo, sendo que, nos dizeres de Celso Bastos, neste caso, sequer há que se reconhecer controle de constitucionalidade eis que já fulminado de inutilidade no nascedouro (vide: ob. cit. p. 399). Outrossim, ainda quando exercido por órgão supra-estatal desvinculado dos poderes Legisltivo, Executivo e Judiciário (Corte ou Senado Constitucional), o controle político não logrou êxito, vez que tendenciosamente analisava a constitucionalidade ou não de preceitos contestados em face da constituição tendo em conta oportunidade e conveniência e não critérios técnico-jurídicos, redundando, portanto, na substituição da opinião política do órgão produtor do ato impugnado pela opinião do órgão controlador. Opondo-se ao sistema político, há o sistema de controle efetivado por órgão jurisdicional, o qual é muito mais conhecido e aplicado. A origem de tal sistema de controle, como já afirmado, foi a formulação jurisprudencial do judicial review da Suprema Corte dos Estados Unidos sob a direção de Marshall, embora a doutrina mencione precedentes relevantes (vide: SALDANHA, Néson. Revista de direito público - 57-58. p. 114-115). O maior prestígio do sistema judicial se justifica pela própria função precípua do Poder Judiciário, qual seja, dizer o direito. Certamente não há controvérsia de maior relevância jurídica do que o reconhecimento de eficácia ou não de uma norma de direito face à sua compatibilidade formal e material com a Constituição. Outrossim, o judiciário quando atua na verificação da constitucionalidade de ato normativo não está apenas solucionando conflitos, mas também assegurando a coerência do sistema jurídico ao qual se vincula obrigatoriamente toda norma de direito, pelo que evidenciam-se as vantagens do controle judicial. Resta ainda o sistema misto de controle de constitucionalidade no qual coexistem tanto o controle por órgão judicial quanto por órgão político, do qual seria exemplo, segundo José Afonso da Silva, o controle suíço pelo qual as leis federais ficam sob controle político da Assembléia Nacional, e as leis locais sob o controle jurisdicional. Advirta-se que, silenciando a Constituição sobre o órgão encarregado da função controladora da constitucionalidade, deve-se entender que cabe ao Poder Judiciário, como decorrência da própria natureza da atividade judicante do Estado, a qual traz implícita a aplicação pelo judiciário das normas jurídicas segundo a sua hierarquia. (vide: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 394). Outro critério que a doutrina estabelece para a classificação do controle de constitucionalidade leva em consideração a forma pela qual este é exercido. Trata-se de classificação que leva em conta o momento em que o controle de constitucionalidade é efetuado. Assim, temos controle de constitucionalidade preventivo ou repressivo. No primeiro caso, a aferição da compatibilidade dos atos normativos com a constituição é feita já no processo de elaboração dos mesmos, evitando assim que, caso contrários à constituição, sejam inseridos no ordenamento jurídico. Já a forma de controle repressivo incide sobre atos normativos acabados, vale dizer, cujo processo de elaboração já se esgotou, objetivando assim retirar-lhes a eficácia em prestígio à supremacia da Constituição toda vez que a contrariem. Outra classificação do controle de constitucionalidade amplamente reconhecida na doutrina é a que leva em consideração os meios pelos quais este se realiza. Tal espécie de classificação, mais própria dos sistema jurisdicional de controle de constitucionalidade, diz respeito aos critérios orgânicos e formais pelos quais se aferem a constitucionalidade dos atos normativos. Segundo o critério orgânico, leva-se em consideração os órgãos que exercem o controle de constitucionalidade. Assim teríamos, pelo critério orgânico, o controle difuso e o concentrado. Pelo difuso, qualquer juiz no exercício de sua atividade jurisdicional pode aferir a constitucionalidade ou não de um ato normativo, sendo que os efeitos de sua decisão, cingir-se-ão ao caso apreciado. Já pelo critério orgânico concentrado tal exame fica adstrito a um órgão de cúpula do Poder Judiciário e a decisão produz efeitos erga omnes. O amplo desenvolvimento dos mecanismos de defesa supra enunciados apenas confirma e demonstra a superioridade das normas constitucionais que visa assegurar; é corolário da Supremacia Constitucional. Hodiernamente todos os povos civilizados junto aos quais prospera a democracia adotam constituições rígidas onde se identificam tais mecanismos o que demonstra a preocupação com a legitimidade das normas constitucionais, ou seja, com a identificação das mesmas com a expressão solene e suprema do poder constituinte originário, pois é tal identificação que lhes confere a supremacia sobre as demais normas, expressão dos poderes constituídos e assegura os ideais democráticos sob os quais se assenta o Estado Democrático de Direito.

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